O Patrimônio.
Quando a Sesmaria 'Empoeiras' foi à praça pública, D. Policema Mascarenhas mandou seu filho, Bernardo Mascarenhas, rematá-la em nome do Irmão João. Este muitas terras vendeu e deu 40 alqueires como patrimônio à igreja. Esse patrimônio tem sido uma grande dor de cabeça e fonte de muitos aborrecimentos para os vigários até o dia de hoje. (Sofonias, SC 1949, p.56)
Frei Zacarias van der Hoeven.
Em 1917, Dom Joaquim Silvério de Souza, satisfeito por ter entregue aos Franciscanos Pirapora (1915) e Corinto (1916), entregou-lhes também Cordisburgo, sendo o primeiro vigário franciscano, Frei Zacarias van der Hoeven. A conselho de Dom Joaquim, Frei Zacarias, acompanhado pelo P. Comissário Frei Júlio Berten, dirigiu-se diretamente, via Curvelo e Cordisburgo, para Santo Antônio da Lagoa (distante de Cordisburgo 2 léguas e meia= 15 km), onde foram recebidos com música e grande festividade; ficaram hospedados com o Sr. Coronel Modestino de Andrade (22/02/1917).
Em seu resumo histórico, Frei Sofonias informa sobre Frei Zacarias que no Livro da residência dá os seguintes motivos da entrega desta freguesia aos PP. Franciscanos: 1º para ajudar a paróquia de Corinto que não poderia sustentar dois padres; 2º porque os Religiosos estrangeiros não se metem em política, que naquele tempo estava muito forte, principalmente por causa de um mandão, Cel. Modestino de Andrade. Este último motivo, creio que não falhou, pois de frade político aqui em Cordisburgo nunca ouvi falar, a não ser de um movimento integralista, no tempo que muitos padres esperavam a salvação do Brasil dessa política. Mas o 1º motivo falhou completamente, pois julgo que Cordisburgo nunca chegou a ajudar a Corinto financeiramente. Nos primeiros 20 anos, de 1918-1938, o Comissariado deu à residência de Cordisburgo oito mil cruzeiros, enquanto Cordisburgo mandou para o Comissariado seis mil e cem cruzeiros.
Quando o P. Frei Zacarias aqui chegou, resolveu ir morar em Santo Antônio da Lagoa. Todavia, em poucas semanas ele se aborreceu de tal maneira de Lagoa e principalmente do terrível caboclo Modestino, que resolveu ir residir em Cordisburgo. (l.c.p.57).
E assim, Frei Zacarias, decerto sem querer ser frade político, esquentou bastante a política regional, pois causou alegria e vitória em Cordisburgo, tristeza e derrota, em Lagoa, cuja oposição contra os freis foi muito forte durante anos.
Vai-vem de frades.
Marcou os primeiros anos franciscanos: vigários: Frei Zacarias de fevereiro a junho de 1917; Frei Cirilo La Rose até dezembro de 1918; Frei Estevão Lucassen até janeiro de 1923; Frei Virgilio Hoogenboom até setembro de 1925; coadjutores: Frei Canísio Zoetmulder, Frei Baltazar Brölmann, Frei Cirino Teernstra, Frei Quiriano jacobs.
Frei Martinho Tiesselinck se firmou melhor na paróquia, pois foi nomeado pelo Capítulo de 1925 e ficou até 1937, só com pequeno intervalo de abril a novembro de 1928, quando foi em férias na Holanda, sendo então substituído por Frei Roberto Cornelissen. Frei Martinho era exigente, gostava de ordem, disciplina e horário; era pontual na matriz e nas viagens para as capelas não receava as viagens a cavalo... gostava de montar e tinha fama de seguro nos arreios. Contudo, foi ele o primeiro a pedir e ganhar licença para comprar um automóvel.
No seu zelo de defender e moralizar o grande patrimônio da igreja, não achou a devida compreensão e apoio moral diocesano. E para evitar piores conseqüências, pediu exoneração do seu cargo de vigário em Cordisburgo, que lhe foi concedida no mês de junho de 1937. Seu coadjutor, Frei Erasmo Veen, foi nomeado vigário interino. (SC.1937, p.87).
Para vigário de Cordisburgo foi nomeado Frei Sofonias Balvert que, no entanto, já estava com viagem marcada à Holanda para 1º de novembro de 1937. Em dezembro de 1937, Frei Erasmo foi nomeado coadjutor em Corinto.
Frei Virgílio Hogenboom, ex-vigário de Cordisburgo, foi então nomeado vigário interino. Nessa época ele era nosso secretário do Santo Antônio em São João Del Rei.
Frei Virgílio se queixava de que o serviço da paróquia era demais para um padre só; semanas inteiras a residência ficava fechada por causa das viagens à matriz de Lagoa e às capelas, prejudicando o povo de Cordisburgo. Para setembro estava prometido um coadjutor...!
Frei Virgílio animou bastante o movimento paroquial: assim a festa de São José em Araçaí: comunhão geral das crianças, dos Vicentinos e do Apostolado, adoração noturna para os homens e, à tarde, procissão.
No domingo da paixão, ainda de 1938, organizou em Lagoa a Procissão do Encontro (que desde 1882 lá não houve mais). Faltava, porém, a imagem do Senhor dos Passos; não foi problema; uns 80 homens buscaram a pesada imagem em Cordisburgo, a pé, duas léguas e meia na ida e na volta.
Depois de tudo isso Frei Virgílio ainda fez uma linda Semana Santa em Cordisburgo.
Frei Virgílio - o interino! - termina seu artigo com Miscelânea: Na cozinha da Residência se fez um novo fogão, sistema antigo de tijolos, em substituição ao fogão moderno de ferro... foi vendido o automóvel, os animais velhos e acabados foram substituídos por outros novos. Foram compradas duas selas novas. Realizaram-se as festas de São Sebastião em Santa Rita em Araçaí, e festa de São José em Cordisburgo. Em Lagoa e Araçaí foi reorganizado o Apostolado da Oração. Resolvi deixar guardado o SS. Sacramento em Lagoa e Araçaí, a contento das respectivas populações, que têm mostrado grande devoção a Jesus sacramentado. São exatamente 100 léguas que viajei a cavalo no prazo de janeiro-abril de 1938. Cétera desunt= e é só! Frei Virgílio (l.c.p.89s).
Frei Sofonias Balvert, de volta de suas férias na Holanda, chegou ao Rio no dia 30 de junho de 1938, sendo confirmado como vigário de Cordisburgo; em setembro do mesmo ano lá chegou o coadjutor, Frei Angelino Steverink.
Frei Sofonias foi vigário de Cordisburgo de junho de 1938 a julho de 1953, são 15 anos com intervalo de pouco mais de mês em 1940, quando teve de substituir Frei Virgílio como Comissário da Terra Santa em Cascadura, vindo Frei Virgílio, já pela terceira vez, para Cordisburgo.
Chegando a Cordisburgo, Frei Sofonias, homem dinâmico, achou o lugar muito parado, com pouca freqüência às missas e ao catecismo, a matriz no morro, distante da povoação, problemas de água na casa paroquial; Grupo Escolar primitivo; nada de diversão para o povo. Traçou logo seu programa: procurar mais progresso espiritual e também material. E isso podemos acompanhar, pé por pé, nos relatórios anuais, que ele mandava piamente para a nossa Santa Cruz. (SC.1939, p.85).
Para as crianças, soube animar a Cruzada Eucarística e conseguiu 80 cruzadinhas que sempre se confessavam, comungavam, assistiam à sua reunião e ao catecismo; tinham também seus piqueniques e, mais tarde, seus teatrinhos e cinema.
O que não deu certo foi a Ordem Terceira Franciscana que já teve 30 professores e 3 noviços, mas nada de progresso, foi diminuindo e morrendo aos poucos. (SC.1941, p.40). O que deu vida foi a Pia União de Santo Antônio com bênção e distribuição de pão nas terças feiras. Também não foi difícil conquistar as mocinhas para a Pia União das Filhas de Maria, com seus lindos uniformes brancos, seu grande véu branco, sua fita verde de aspirante ou azul de associada; sua comunhão freqüente, seu ofício de Nossa Senhora, suas reuniões e passeios; umas foram boas catequistas na igreja, na escola ou na roça.
Os marianos eram os melhores auxiliares do vigário, em todo o movimento paroquial, principalmente quando foi feito um bom salão paroquial (13/06/1939) com teatro e cinema. Frei Sofonias soube atrair à religião, não só os pobres, mas também as melhores famílias da cidade e das fazendas, assim seu amigo o Dr. Otacílio Negrão de Lima, futuro prefeito de Belo Horizonte.
Vigário-Construtor
Frei Sofonias, além de meio-fazendeiro (grande pasto para os animais, quintal, pomar, horta e dependências) era também bom construtor bem prático: construiu e reformou diversas capelas; na matriz fez o forro de estuque, para o que mandou buscar mais de 100 coqueiros em Carvalho de Almeida e 700 tábuas de tamboril! Em Monjolos; mudou, na matriz, as janelas fixas em movediças, novo coro de cimento armado com grande escada caracol, reforçou os alicerces, novos bancos e altares, duas mesas de comunhão, novo púlpito e uma linda Via-Sacra; por fora limpou as paredes, em cujo redor terminou a calçada de cimento. Esses melhoramentos foram inaugurados na festa do jubileu de prata do Apostolado, cujo fundador, Frei Zacarias, veio abrilhantar a festa na matriz, para a qual Dom Serafim concedeu o título de Santuário.
Também a casa paroquial ganhou bons melhoramentos: foi feita casa nova para a cozinheira, Dona Filó com sua companheira, Dona Domitildes e outra casa para o sacristão Augusto e família. (SC.1943, p.173).
Numa Paróquia pequena, onde um padre era pouco e dois eram demais, um bom entendimento entre vigário e coadjutor pode ter sido um pouco difícil. (SC.1958, p.69). Foram seus coadjutores Frei Angelino Steverink (duas vezes), Frei Tarcísio Appelboom, Frei Saulo Tavares Cabral, Frei Francisco Stienen e, nomeados por nosso 1º Capítulo Provincial no fim de dezembro de 1949, Frei Amideu van Dijk e Frei Aurélio Peters. (SC.1943, p.20).
Apesar dos pesares, a paróquia de Cordisburgo foi progredindo na sua vida eucarística pelo trabalho apostólico dos seus padres e dos bons leigos.
E depois? Os Franciscanos continuaram seus trabalhos: nova matriz, hospital com Irmãs, novas capelas, casas para os pobres, sempre com questões do patrimônio, que culminaram em 1983, quando o então vigário, Frei Paciano van Schaijik, teve grandes problemas na questão de terras com séries divergências entre Paciano, o bispo D. José Lima e o povo. Sua doença-diabete agravou-se com isso cada vez mais. O clima local foi se tornando insuportável. No dia 28 de março de 1983, na missa vespertina, sentiu-se mal: na queda bateu violentamente o crânio contra o chão, o que deu o primeiro derrame; na viagem a Belo Horizonte sofreu o segundo e, no dia seguinte, o terceiro e, às 15 horas, faleceu. (SC.1983, p.143). Seu fim foi também o fim dessa paróquia franciscana, pois sabemos que o bispo de Sete Lagoas nomeou um vigário para a paróquia, ela está entregue...! (Notícias da Província, SC.1983, p.129).
Até agora, nossa presença franciscana continua (por enquanto) em Araçaí com Frei Leônides Schoorl. Cordisburgo tem sido assistida por diversos padres residentes em Sete Lagoas e finalmente neste ano de 1988 (parece em agosto) ganhou um Padre Indiano como seu pároco residente. Na semana passada, esse Padre José, com um casal amigo, visitou nossa casa em Corinto, e lhe garanti que Cordisburgo é uma paróquia muito boa, mas olha a questão do patrimônio!
Por Frei Helano van Koppen
Fonte: Nossas Paróquias Mineiras, p.48-50.