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Franciscano/a

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    Identificador:
    11527
    Nome:
    Fr. Norberto Beaufort, OFM (Paulus Johan Marie Beaufort)
    Sexo:
    Data de nascimento:
    01/02/1884
    Data de falecimento:
    03/05/1960
    Lugar de nascimento: Haarlem, NL
    Lugar de falecimento: São João del-Rei, MG
    Estado eclesiástico:
    Notas Biográficas:

    IN MEMORIAM

     

    "Nunc dimittis servum tuum Domine..."

    Foi uma festa grandiosa, aquela que organizaram para comemorar os 50 anos de sacerdócio de frei Norberto; foi a gosto dele. "Não... Eu não queria saber de coroação... hm... hm... e eu tinha razão, pois agora a aboliram mesmo em Roma... hm.... hm... hm... Mas a festa de sacerdócio quero comemorar!" Frei Norberto, tal qual, como muitos o conheceram.

    E ele celebrou a sua festa: cantou a Sta. Missa. Houve sermão na Missa e no Te Deum. Ouviu discursos, e ele mesmo falou, coisas que antes detestava, como ainda afirmou em público, quando no banquete organizado em sua homenagem e de frei Lourenço, pelos ex-alunos: "Não gosto de discursos; não gosto de fazer nem tão pouco de ouví-los." Como também esta: "não gosto de sermão; isto eu mesmo posso fazer." Celebrou a sua festa, e daí por diante foi decaindo rapidamente; parecia mesmo um "nunc dimittis

    Frei Norberto como muitos o conheceram: o sistemático, o homem dos seus costumes inalteráveis, que vivia no seu ciclozinho de horas certas, trabalhos certos, distrações certas; costumes pelos quais às vezes podia irritar, ou ficar irritado. Os colegas brincavam muito a respeito, mas ele não se incomodava: "É isto mesmo, hm.. hm.."Mas mesmo assim devemos admirá-lo; tinha costumes engraçados, mas tinha também costumes bons, e talvez em número maior, verdadeiras virtudes.

    Quando em dezembro de 1911 chegou ao Brasil, ficou uns 5 meses em Ouro Preto, para depois, quase em definitivo, se transferir para São João del Rei. Começando como professor de francês e desenho, não limitava a sua atividade ao magistério. Ajudava ao Vigário da paróquia e a frei Cândido na direção do Albergue, ia a cavalo às capelas fora da cidade e cantava a Sinagoga na Semana Santa. Em 1914 aceitou o cargo de diretor da Associação das Filhas de Maria no Colégio Nossa Senhora das Dores, e a orientação espiritual do orfanato anexo à Santa Casa. Continuou até 1918 quando, durante o paroquiato de Mons. Gustavo Ernesto Coelho, se incumbiu da direção do Apostolado da Oração. Desta maneira levou a sua atividade à cidade toda e seu zelo neste trabalho ainda é lembrado por todos; não se poupava, visitando os doentes, as zeladoras e todos que dele precisavam. Foi diretor do Apostolado até fevereiro de 1925; até esta data administrava também a tipografia do semanário "Ação Social Aos poucos o trabalho de professor o absorvia por completo e o seu ministério começou a limitar-se à Missa das 9,15 na igreja de São Francisco da Venerável Ordem III, isto ao todo durante uns 40 anos.

    Entendido em desenho, gostava de dirigir construções, principalmente do próprio colégio Santo Antônio. Prestava atenção a tudo, andava pelos andaimes, deixava marcas e guardava muitos dados na cabeça, principalmente quanto ao encanamento, rede de esgoto e instalação elétrica.

    Enquanto de princípio tinha lecionado várias matérias, aos poucos se limitou à química e física. Com verdadeira tenacidade se dedicou a este trabalho, organizando os seus gabinetes, praticando e ensinando, não perdendo oportunidade para aumentar os seus conhecimentos a respeito. Tinha grande interesse e verdadeiro amor ao colégio e às suas matérias. Durante o ano letivo estava firme no batente, não perdoando uma só aula siquer, e anotando exatamente o ponto dado em cada aula. Tinha o seu sistema, agora talvez antiquado, mas seguro. Tinha o seu método, cantando as frases em certa cadência. Tinha certos errozinhos na linguagem que nem queria mudar, pois: ..sempre falei assim e sempre me entenderam Tinha o seu material didático, suas brincadeiras e coisinhas interessantes, para despertar a atenção dos seus alunos. E sabia transmitir os seus conhecimentos. Um ex-aluno, médico, agora catedrático, visitando o colégio depois da morte de "frei Bertus", ainda fez questão de frisar: "Há homens preparados, com grande bagagem de conhecimentos e cultura, que são péssimos professores, porque não sabem transmitir. Frei Norberto, com aquele jeitinho dele, o sabia: era um grande professor."

    Sempre esforçado, frei Norberto gastava suas férias em viagens de estudo. No dia 6 de janeiro ia ao Rio, todos os anos. Era costume. Até a estação de Chagas Dória rezava a oração por uma boa viagem; até Prados um cigarro de palha; breviário até Barroso, um charutinho etc., tudo marcado. No Rio ia estudar na Escola de Química, em Manguinhos etc. Em muitos destes centros ele era freguês já conhecido e estimado, pois sabia muitas coisinhas interessantes, e queria aprender mais. Havendo oportunidade de visitar uma fábrica ou conjunto industrial, isto era com ele; gostava, apreciava, aproveitava e pelo seu jeito de entendido logo conquistava amigos. Tudo aproveitava para as suas aulas. As coisas mais modernas nem sempre aceitava, mas não deixava de saber o necessário a respeito.

    Não só os alunos e ex-alunos, mas também os outros logo descobriram os conhecimentos de frei Norberto. Da redondeza traziam pedras e amostras de minério para o frei dar o seu parecer quanto ao valor comercial. Fazia a análise qualitativa, e levava amostras ao Rio para a quantitativa. Neste particular a sua maior glória e satisfação foi a descoberta de Cassiterita na vizinhança da estação de Nazareno, que no Rio acusou a extraordinária pureza de estanho neste óxido, encontrado à flor da terra, o mais puro descoberto até agora, e que deu origem à mineração mais rendosa do Banco da Indochina (Paris).

    Frei Norberto atendia a todos com a máxima boa vontade. Temos aqui mais um característico de frei Norberto: sempre quando possível, estava disposto a ajudar os outros com verdadeira dedicação, mormente tratando-se das especialidades dele. Quando um dos confrades pedia alguma coisa e ele não podia atender no momento, podia ter como certo que, quando menos esperasse, frei Norberto teria ou a solução ou, no mínimo, uma justificação.

    Esta caridade fraterna manifestava-se também de outra forma. Ele, com o seu temperamento e seu sistema, às vezes podia ficar nervoso, mas não guardava ressentimento. Não censurava nem criticava aos outros. Podia não concordar com certas coisas e então ficar fechado, calado, mas ninguém se lembra de ter ouvido frei Norberto falar dos outros.

    Além disso era obediente. Podia custar, mas acabava se conformando; não respondia aos superiores. Fato dos mais interessantes aconteceu quando foi aposentado como professor em Belo Horizonte; trêmulo e idoso, se tornava difícil para ele continuar a dar aula. Como motivo atenuante se alegou a doença de frei Lourenço. Ele o sentiu como golpe na sua vida; dizia que bem podia continuar. Mas só mais tarde, pouco antes da última doença, contou que naquela noite pouco ele dormira. Era sensível e assim ficou abatido, quando não podia celebrar mais, por estar muito esquecido; custou a conformar-se. Depois de algum tempo o seu confessor frei Adolfo, deu aparecer que pedisse licença de novo. O superior naturalmente pediu ao confessor que não tocasse mais no assunto, pois havia sido resolvido assim pelo Pe Provincial. Não gostando, o "Dolf" foi logo tomar satisfação, passou um pito, um sabão, como ele disse. Frei Norberto escutou, abaixou a cabeça, sem reclamar, sem se defender; horas depois somente, já calmo de todo, disse ao enfermeiro: "É. Dolf diz que não, mas ele tinha falado mesmo."

    Tinha os seus costumes engraçados: seu banho frio de manhã, seu nadar de cachorrinho de manhã na piscina; comer peixe só na 6ª feira, e arroz só com ovos; seu chapéu com aba de 15 cm; lembrar os fatos do passado com data exata, não rezar a coroa franciscana por falta de idioma, como ele explicou: "Rezo o meu terço todo o dia, 1ª dezena em holandês, 2ª em português, 3ª em latim, 4ª em francês e a 5ª em alemão; pois assim eu não fico distraído e sei onde é que eu estou.. hm.. hm...." Tinha também os seus costumes que obrigavam à admiração: era piedoso, como provam a oração no iniciar a viagem, a concentração na preparação e ação de graças da S. Missa, e outras coisas. Mas fui só no fim que ficamos sabendo de certos costumes. Todos notavam que ele não tinha malícia, mesmo depois de tantos anos ter trabalhado entre rapazes; pelo contrário, tinha uma certa ingenuidade, que também na idade avançada ficou mais evidente. O caso mais engraçado neste ponto foi uma conversa no almoço, querendo lembrar o companheiro de viagem em 1934. O vizinho à mesa quis ajudar a memória: "Era eu." - "Não, espere ai, já sei,... era o antropófago." Hilaridade geral, pois era o apelido do mesmo.

    Mas acima de tudo frei Norberto era sistemático e assim conquistou o céu. Começou a decair, pois não só tinha arteriosclerose aguda, mas também as intumescências no pescoço começaram a aumentar. O frei mesmo deu como causa a rádio-atividade de umas areias que tinha na química, "justamente a esta altura", mas na verdade era carcinoma metástico, cujo tumor primitivo não foi encontrado; esta era a conclusão dos médicos, tanto de Belo Horizonte como da Holanda. No princípio ainda queria andar pela casa, obcecado com certas coisas; levantava fora da hora e estava completamente descontrolado. Depois, durante o último mês, não saía mais do quarto; ficou sentado e finalmente deitado. Não se sabe com certeza se ele compreendeu totalmente seu estado; fato é que modificou por completo. Compreendia melhor as coisas e se tornou um doente até muito fácil, aceitando as muitas injeções, agüentando as várias feridas com paciência exemplar, sem se queixar uma só vez, completamente imóvel na cama. Era grato por todas as atenções, satisfeito por ter sempre alguém perto.

    Já durante uns 15 dias o coração estava descontrolado. No dia 2 de maio, a circulação ficou inteiramente irregular, indicando a aproximação do fim. Quando aos 15 para meia noite começaram umas ronqueiras na altura do fígado, em diagonais sobre o abdômen, iniciamos a preparação à morte. Já ungido por duas vezes, recebeu ainda a absolvição geral, procurando fazer o sinal da cruz. Beijou com piedade a sua cruz predileta com todas as indulgências, ganha do Papa, e ficou com ela na mão até o fim. Acompanhou as orações, olhando quando parávamos algum instante. A sua relíquia de S. Norberto estava pendurada na parede, mas ainda quis beijá-la também. Pouco depois agravou-se seu estado; parece que houve ruptura do fígado, talvez do tumor primitivo da doença. Aos15 para as duas seguiu-se uma espécie de vômito, e às 2,30 terminou calmamente. Deve ter doído muito, mas nem um gemido deu. Controlado, sistematicamente conquistou o céu; seus últimos dias principalmente foram de uma conformidade e resignação exemplares, impressionantes. Deus já deve ter o seu servo na paz eterna.

    Datas Principais: - Fr. Norberto nasceu na cidade de Haarlem, Holanda, a 1° de fevereiro de 1884. Estudou durante dois anos na "escola apostólica" dos Jesuítas em Sittard, e depois passou para o Seminário Seráfico de Megen. Entrou para a Ordem Franciscana no convento de Alverna, a 6 de setembro de 1902. Foi ordenado sacerdote por Dom J.H. Drehmanns, em Weert, a 21 de março de 1909. Chegou ao Brasil no dia 19 de dezembro de 1911. Depois de passar alguns dias na nossa casa de Niterói, transferiu-se para Ouro Preto a 24 de dezembro, onde ficou até 10 de maio do ano seguinte de 1912. Nessa data frei Norberto começou a sua carreira de professor em São João del Rei, a qual continuou até o dia primeiro de março de 1950. Passou então como professor para o Colégio de Santo Antônio em Belo Horizonte. Aposentado, voltou em janeiro de 1953 para S. João, onde faleceu a 3 de maio de 1960.

    Por Frei Metelo Geeve

    Fonte: Revista dos Franciscanos da Província Santa Cruz, 1960, p. 161 a 164.

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SATLER, Fabiano Aguilar. Fr. Norberto Beaufort, OFM (Paulus Johan Marie Beaufort). Rede Internacional de Estudos Franciscanos no Brasil. Disponível em: http://riefbr.net.br/pt-br/content/fr-norberto-beaufort-ofm-paulus-johan-marie-beaufort. Acessado em: 19/01/2025.