IN MEMORIAM
Foi no dia 15 de novembro p.p. que o nosso Frei Antônio faleceu no hospital de Taquari.
Fr. Antônio (que então se chamava Fr. Wunibaldo) foi ordenado sacerdote em 1924. Durante três anos ele exerceu o ministério sacerdotal na Holanda.
Em setembro de 1927 embarcou com destino ao Brasil, chegando ao Rio no dia 3 de outubro. Frei Antônio foi então destinado para o Norte de Minas, chegando já aos 21 do mesmo mês a Teófilo Otoni. Lá trabalhou com boa vontade e denodo como coadjutor da extensíssima paróquia até 1° de fevereiro de 1930, quando foi nomeado coadjutor da paróquia de Urucu (Carlos Chagas), onde também labutou com zelo naquela paróquia rural durante dois anos. Depois de outra vez haver exercido o cargo de coadjutor na paróquia de Teófilo Otoni, durante um ano, foi transferido em março de 1933, do extremo Norte do Comissariado para o extremo Sul, recebendo nomeação de coadjutor da paróquia de Canguçu, no Rio Grande do Sul. Havia de continuar em terras gaúchas até a sua morte.
Gostava Frei Antônio do Norte e do seu povo; quantas léguas ele não cavalgou por essas extensões lidando com aquela boa gente, mas bastante rude, que muito o estimava pelos seus modos simples, sua condescendência e bondade. Também no Rio Grande do Sul essas mesmas qualidades lhe granjearam a boa vontade e estima do povo. Só um ano esteve Frei Antônio trabalhando em Canguçu, isto é, até 21 de março de 1934, quando, foi nomeado vigário da paróquia de Vila Fão, na Arquidiocese de Porto Alegre.
Foi no dia 1° de abril deste ano que o novo vigário se instalou, na Festa de Páscoa. Instalou-se a si mesmo, pois estava sozinho; havia muita concorrência de povo, mas por causa da Festa de Páscoa nenhum outro sacerdote pudera vir. Deve haver agradado a Frei Antônio poder instalar-se sozinho como vigário da sua primeira freguesia, que para ele havia de ser também a última: pois não gostava o novo vigário de muita pompa. Sucedeu a Frei Feliciano Smitz, que só pouco tempo governara a paróquia do Fão e já saíra para empreender a sua viagem à Holanda em gozo de férias.
Os paroquianos perguntaram talvez aos seus botões: Quanto tempo este vigariozinho há de ficar aqui? Talvez um ou dois anos... Desde que os Franciscanos, em agosto de 1926, se haviam estabelecido em Vila Fão, que continuava sendo capela da vasta paróquia de Lajeado, Frei Antônio era o quinto vigário! Mas este novo vigário havia de ficar por algum tempo mais... quase até a sua morte em 1953! E nesse longo lapso de tempo soube não só com zelo, muito tino e senso prático otimamente administrar a paróquia, mas também granjear a estima, podemos dizer, o amor de todos os seus paroquianos. Durante muitos anos ficou sozinho, visitando a cavalo cada semana uma ou mais capelas. Era homem do dever, pastor bonus animarum, no pleno sentido da palavra, cumprindo integralmente a sua sagrada missão: pregando, ouvindo confissões, dando catecismo, escutando com toda a paciência e compreensão os seus paroquianos, que continuamente vinham consultar o seu vigário. E nunca se recusava a montar cavalo para visitar as capelas, para atender a enfermos, fosse qual fosse a inclemência do tempo: frio e chuva no inverno, calor abrasador no verão.
Há anos Frei Antônio estava sofrendo de arteriosclerose, que afinal seria para ele a "causa mortis Pouco a pouco o cuidado da paróquia com suas numerosas capelas se ia tornando para ele sozinho por demais dificultoso, até que, com a chegada de novas forças da Holanda depois da guerra, foi possível destinar para a paróquia de Fão um coadjutor.
Durante os longos anos de vigário no Fão, Frei Antônio teve oportunidade de providenciar vários melhoramentos na matriz e na canônica. O que em tais empreendimentos o estorvava, era o horror que sentia de fazer dívidas e de molestar os seus paroquianos com peditórios: custava-lhe pedir.
Já no segundo ano de seu governo, a modesta matriz recebeu um novo forro e todo o edifício foi pintado por dentro e por fora. Em 1938 construiu-se uma monumental escadaria de cimento, que da praça dá acesso à matriz, construída sobre uma encosta bem alta; desde o princípio isto havia sido para ele o projeto acariciado: facilitar ao povo o acesso à matriz, o que em dias de chuva era um verdadeiro problema. Em 1939 a matriz recebeu um prolongamento na parte da frente e foi construída a torre.
Em 1940, Frei Antônio empreendeu a viagem à Holanda em gozo de férias. Mas no meio do caminho, - parece que havia chegado a Milão - foi surpreendido pela triste notícia da invasão da Holanda. Frei Antônio era cidadão brasileiro (naturalizado) e foi impossível conseguir das autoridades alemãs permissão de ir à Holanda. Assim, em 24 de agosto, Frei Serafim, que do Equador fora chamado a Roma, ali o encontrou; e juntos conseguiram chegar, aos 20 de setembro, até Lisboa, e tiveram a sorte de poder embarcar no vapor brasileiro "Cuiabá", que, depois de muito protelar a viagem, afinal aos 10 de outubro zarpou rumo ao Rio, aonde chegou aos 27 do mesmo mês.
Foi com grande júbilo de todos os paroquianos que no dia 9 de novembro, Frei Antônio de novo chegou à sua querida Vila Fão. Ainda que a viagem de férias tivesse ficado atrapalhada, com zelo redobrado o vigário continuou trabalhando pelo bem espiritual dos seus. Em 1941 fundou a Pia. União das Filhas de Maria e no ano seguinte a Congregação Mariana para os moços, de sorte que, já havendo a Ordem Terceira, principalmente para os casados, agora também havia congregações para a juventude.
No mesmo ano, 1943 começou-se a construção da nova e espaçosa casa canônica, sob a direção do Irmão Frei Remi. Essa iniciativa não partiu tanto dele mesmo, pois que se sentia perfeitamente a seu gosto na velha casa de tábuas e lhe era penoso pedir contribuições para uma nova casa canônica; o Arcebispo, porém, insistiu que se construísse uma canônica adequada.
No dia 26 de novembro de 1945 até 11 de abril de 1947, Frei Antônio ficou encarregado da nossa paróquia de S.Francisco em Porto Alegre, substituindo a Frei João que fora à Holanda em gozo de férias. Por ocasião de sua volta ao Fão, os paroquianos fizeram uma grande festa, pois recearam que não voltasse mais.
Preterindo vários melhoramentos mais, por que fez passar a paróquia e a matriz, queremos somente consignar aqui o seu zelo pelas vocações sacerdotais. Tinha como grande glória ver a sua paróquia tão bem representada no nosso seminário de Taquari, onde sempre havia muitos alunos da paróquia do Fão.
Desde fins de 1952, Frei Antônio começou a sentir-se sempre mais fraco e cansado. Disse o médico que ele tinha uma velhice precoce. Andava com dificuldade; a celebração da Santa Missa cansava-o; principalmente aos domingos lhe era quase impossível celebrar mais as Missas, fazer as práticas e dirigir as reuniões. Então já pediu que fosse exonerado do cargo de vigário, para, durante os poucos anos que como ele pensava lhe restavam, ocupar-se com trabalho menos pesado. Mas no dia 6 de maio, quando já se sentia muito abalado de saúde pela alta pressão e arteriosclerose, com o coração muito fraco, de repente viu-se atacado de violenta erisipela, acompanhada com altas febres e vômitos; poucos dias depois foi sacramentado. Restabeleceu-se ainda um pouco, mas não recuperou mais a saúde. A notícia da doença do vigário consternou profundamente os paroquianos, que queriam todos visitar o seu querido pastor. A acorrência de visitantes começou a ser tão grande que cansava demais o doente, e o coadjutor viu-se obrigado a avisar do púlpito que o vigário não podia receber visitas. Frei Antônio mesmo preferia ficar tranqüilo no seu quarto; depois de umas visitas e até durante as mesmas, entontecia e começava a falar atrapalhado. Levavam a mal às vezes os paroquianos, que Frei Tomás não os admitia a visitar o vigário; mas Frei Antônio mesmo ficava agradecido por isso, como sempre agradecia qualquer favor que lhe prestavam.
Pouco depois foi levado ao hospital de Lajeado, onde teve ótimo tratamento do Dr. Fleischut, em quem tinha muita confiança, e das Irmãs da Divina Providência. Melhorou de tal maneira que pôde voltar para Vila Fão, mas em agosto teve uma crise tão forte que todos esperavam o desenlace. Venceu, porém a crise e depois melhorou bastante, e de modo especial voltou-lhe a clareza de idéias, sendo que antes, muitas vezes estava um tanto perturbado. No entanto era impossível ficar na. canônica do Fão e assim, em princípio de setembro, Frei, Tomás, que fora nomeado sucessor dele, levou-o de carro para o convento de Taquari, a que pertencia desde o Capítulo.
Só dois dias esteve Frei Antônio no convento de Taquari. Foi levado ao hospital para ali receber melhor tratamento. O médico Dr. Danilo Davi e as boas Irmãs cuidaram dele com todo carinho, e bem assim o nosso Irmão Leonardo, que passou todas as noites com ele. As Irmãs do hospital estavam muito contentes com Frei Antônio, que durante os dois meses e meio que lá esteve, nunca ficou impaciente e se mostrava sempre agradecido por qualquer serviço
Esses dois meses e meio no hospital foram um alternar-se de melhoras com pioras. Ás vezes estava. tão bem disposto que pensava em trabalhos futuros, mas geralmente depois de uma melhora bem sensível, vinha nova crise forte. Assim aconteceu no dia. 14 de novembro; estava sentindo-se muito bem, tinha se levantado e vestido o hábito. Ficou até um tempo postado à janela abanando a pessoas conhecidas que passavam. Mas na mesma a noite sobreveio-lhe uma nova crise; desta vez não a venceu: às 6:30 horas da manhã do dia 15 entregou sua alma a Deus.
O Padre Guardião, avisado, foi logo ao hospital tomando todas as providências que o caso exigia; era domingo. Às 10:30 horas o carro ambulância levou o corpo para o seminário, onde toda a comunidade e todos os alunos estavam à entrada principal para o receber. O corpo foi colocado na sala grande dos hospedes, no meio das flores que as boas Irmãs haviam mandado. Logo em seguida os alunos, em pequenos grupos, começaram a velar o corpo, rezando cada vez um terço; de maneira que só neste dia Frei Antônio ganhou, só da parte dos alunos, um sufrágio de pelo menos 200 terços. Além disso o Vigário Frei Rogério, logo avisado, pôde celebrar ainda uma Missa e o Padre Guardião cantou outra por alma do falecido confrade.
A uma e meia da madrugada do dia 16, veio de Vila Fão uma caravana de 32 pessoas e um pouco antes da S. Missa mais 5 Pessoas. Tinham feito uma viagem de uns cem quilômetros prova eloqüente de quanto Frei Antônio era estimado em Vila Fão,onde durante quase dezenove anos fora vigário. A Missa solene de Réquiem foi precedida das Laudes cantadas de Defuntos. Na véspera, logo depois da transladação do corpo para a capela dos alunos já fora cantado o primeiro noturno e o resto rezado.Veio para o enterro também o Prefeito municipal de Lajeado, amigo de Frei Antônio. O enterro no cemitério do convento foi impressionante. À sepultura falou o Sr. Prefeito de Lajeado umas breves e sentidas palavras de despedida. À hora da Missa, Frei Inácio fez um eloqüente sermão fúnebre.
Quanto a Vila Fão, assim que o vigário depois da segunda Missa recebeu a triste notícia, mandou dobrar os sinos a defunto na matriz e em todas as capelas e rezar o terço em sufrágio de sua alma. O vigário mesmo, que tinha Missa vespertina na capela de Batuvira e no dia seguinte primeira Comunhão de numeroso grupo de crianças, sentiu muito não poder acompanhar, os paroquianos, que em grande caminhão e auto, foram a Taquari.
Cedo chamou Deus a Frei Antônio para Si a receber o galardão que, de certo mereceu pelos seus grandes méritos, de religioso exemplar, zeloso cura de almas e ótimo confrade, estimado por todos os que o conheceram. Paz à sua alma!
Fonte: Revista dos Franciscanos da Província Santa Cruz, 1954, p. 10 a 15.