Frei Samuel Tetteroo. Essa região pertencia à nossa imensa paróquia da Conceição de Teófilo Otoni, Nordeste de Minas. O primeiro franciscano que passou por aí foi o pioneiríssimo Frei Samuel Tetteroo, como ele mesmo anotou em suas Memórias: De 18 de junho até 19 de julho de 1915 fiz a desobriga no Pampã (=Fronteira dos Vales), na Água Bela, onde benzi o cruzeiro e celebrei a primeira missa na Cachoeira do Panhy, no Jorge Marques, onde determinei o local para a Capela do Comércio do Norte (Machacalis), no João José Francisco Teixeira no Umburanas, onde disse a S. Missa pela primeira vez. No dia seguinte, 27 de junho, fui ao aldeiamento dos índios Machacalis, acompanhado de Antônio Gomes Camisão, João Gomes do Panhy, Antônio Basílio dos Reis, Altino Xavier, José Rodrigues de Sousa (vulgo Ganga), o filho dele, Gaudêncio e o meu sacristão-camarada José Dâmaso. Camisão pretendia ter dado aos índios cem mil réis em roupas e outras coisas, em troca de que os índios lhe tinham dado um terreno. Mas esse terreno os índios já o tinham cedido a um tal João de Eusébio, com quem os índios estavam de mal, por instigação, dizem, do Camisão e de José Lino. Este José Lino também mora em terra dos índios e recentemente os tinha induzido a ceder-lhe mais um pedaço de terreno, em troca de uma velha espingarda de dois canos. (SC.1941, p.186).
Primórdios. A invasão desta zona da mata por gente de qualidade, escreve em 1938, Frei Letâncio Vaske, data de 30 a 40 anos (mais ou menos 1900). Antes dessa época era uma grande mata fechada, no meio da qual havia algumas aldeias de índios e aqui e acolá alguma família brasileira. Já no tempo de Frei Samuel (1915), os moradores nacionais se contavam aos milhares. A maioria deles era provinda da vizinha paróquia de Jequitinhonha e do sertão do Norte de Minas e da Bahia, sujeito a secas periódicas. Uns vieram, acossados pela pobreza e pela esperança de aqui melhorar de sorte; outros vieram aqui tentar fortuna, porque no seu torrão natal foram mais ou menos obrigados a largar seu pedacinho de terra e entregá-lo à insaciável fome de terras dos grandes proprietários. Cada um aqui podia fazer o que bem lhe parecia, com inteira liberdade, mas vivia-se aqui sem amparo de qualidade alguma, porque aqui só visavam explorar os seus cidadãos, maltratá-los e, se preciso, suprimi-los. E exerciam o seu sinistro ofício sem o menor receio, sabendo que todos os seus crimes eram encobertos pela política. (SC.1938, p.169). Quer alguns exemplos? Ei-los:
... Em outubro de 1917, Frei Luís de Joaíma, que ainda não conhecia a região do Pampã, foi lá para conhecer... Quando estava no Comércio do Norte na igreja, à noite, ouvindo confissões, ouviu de repente um tiro pesado de carabina, na casa próxima. Correu para lá e achou um tal Modesto Santos, negociante, esvaindo-se em sangue. Administrou-lhe os Santos Sacramentos; alguns dias depois, Modesto Santos, vítima, como dizem, de baixa inveja, morreu. Deus tenha dó deste pobre povo, pois dizem que muitos outros estão ameaçados da mesma ou semelhante sorte. (Memórias de Frei Samuel, SC.1942, p.155). De novo Frei Letâncio: Os frutos de uma sociedade assim são os que se deviam esperar: a enorme maioria do povo é pobre, atrasada,ignorante e o padrão de vida é bastante baixo. Carregam todas as conseqüências de uma vida sem direitos e sem deveres. É preciso lembrar, porém, que este povo é de índole religiosa que, na vida particular, tem uns usos e costumes muito louváveis, e que, pela falta de contato com o resto do mundo, é naturalmente protegido contra certas influências que lhe poderiam tirar suas posses espirituais. (SC.1938, p.169).
Frei Samuel anotou: Frei Feliciano (também de Joaíma como o próprio Frei Samuel e seu sucessor Gualberto) a 20/02/1918 fez a primeira festa do Padroeiro São Sebastião, no Norte. Era a primeira missa que se celebrava na nova capela, portas e janelas, embora prontas, ainda não estavam acabadas. Em vista das circunstâncias locais, a capela pode-se dizer muito boa, e bastante grande. Entretanto, no dia da festa a metade do povo teve que ficar fora. A festa esteve ótima e todos se comportavam bem. (SC.1942, p.183).
No princípio de fevereiro de 1919, Frei Gualberto Schoonhof empreendeu a viagem a Pampã, Água Bela, Rio Negro e ao Norte, onde ia fazer a festa de São Sebastião. As estradas ainda estavam em muito mau estado, mas conseguiu romper sem maior novidade. A festa no Norte foi boa e deixou um saldo de 300 mil réis para a capela, que está muito endividada. O Padre pediu as contas e mostralham-lhas. Algumas semanas depois, Frei Feliciano recebeu uma carta de Ângelo Chiata e Exupério, na qual comunicaram que iam paralisar as obras da capela. Ao que o Padre respondeu, agradecendo cordialmente o muito que tinham feito e concordando com a cessação do trabalho, para que assim pudessem ser pagas as dívidas. (I.c.p.199).
Assim o Comércio do Norte começou a dar complicações, como também em Água Bela, onde, em julho de 1918, na festa de São Boaventura, o festeiro não quis prestar contas a Frei Gualberto e ficou resolvido não mais fazer festa lá por enquanto. No Norte, em junho de 1919, o Ângelo Chiata, chefe do lugar, pretendia desacatar o Frei Gualberto, talvez por causa do saldo da festa do ano anterior que ele queria receber. Felizmente ficou em pretensões. (I.c.p.184, 200). Em 08 de setembro de 1919, Frei Feliciano fez a festa em São José do Pampã, onde correu tudo bem. Durante a festa divulgou-se a notícia de um bárbaro crime, cometido no Norte: um preso que, durante o sono, foi morto com 24 tiros. Foi o princípio de muitas e graves dificuldades no Norte. (I.c.p.200). Em novembro de 1919, Frei Feliciano foi novamente ao Norte e outros lugares. Uma comissão de Ângelo Chiata, José Marques, Hermínio Turco e um dos assassinos daquele preso do Norte, veio ao encontro de Frei Feliciano, para cumprimentá-lo, mas disposto a trazer o Padre ao Norte até a muque, pelo boato do Padre não mais ir ao Norte por causa das desfeitas do Frei Gualberto. Mas Frei Feliciano os cumprimentou friamente e não lhes deu ocasião para parlamentar; tocou para frente em sua mula superior, que andava tão ligeira que nenhum deles pôde acompanhar. Ainda tentaram uma entrevista, não na casa do hospedeiro Firmino, mas na estrada. (Decerto eles estavam com medo dos amigos do frei).
No dia seguinte, Frei Feliciano, recusou o Hermínio Turco (pagão) como padrinho de um casamento... Ficaram furiosos... boatos alarmantes, de capangas na estrada, todos munidos de repetição! O frei viajou assim mesmo. Muita gente o acompanhou, todos armados. No caminho, não houve nada!... Na Barra do Umburanas ainda apareceu o Turco com um camarada, mas o povo zombou deles. Nos dias seguintes o turco ainda viajou atrás do Padre. Só meses depois soubemos que o intuito do turco era mesmo matar o Padre. Frei Feliciano chegou bem à sua casa em Joaíma. Ali corriam muitos boatos e o povo pronto para defender seu Frei. No Norte diversas famílias já se tinham retirado de lá, com medo da sanha de Chiata e seus partidários, entre os quais o Exupério, que pouco depois faleceu.
O comandante da polícia desta região apoiou e tranqüilizou o povo, mas a situação se tronou cada vez mais tensa. Frei Feliciano fez a festa de São Sebastião em janeiro de 1920; bastante gente, mas muitos boatos. Uns dias depois após a festa, o Chiata lá chegou com 12 a 13 capangas. O povo estava prevenido. Ia correr muito sangue, mas o Frei soube apaziguar os ânimos. Na redondeza Frei Feliciano foi fazer algumas festas, voltando para o Norte, que com Água Bela e Rio Negro estava do lado do Padre. Aos poucos os capangas sumiram para Pampã, onde gozavam a proteção dos Peixotos. Houve ainda uma denúncia em Belo Horizonte contra Frei Feliciano e seus amigos, mas deu em nada. (Memórias, SC.1943, p.14).
Em março de 1920 ainda houve boatos, ameaças, até preparações para uma grande batalha, mas Frei Feliciano com seus amigos do Norte, rio Negro e Água Bela cercaram os bandidos do Chiata e companheiros, que fugiram para lá do Pampã até Teófilo Otoni. Restabeleceram-se a paz e a segurança e recomeçou-se a labuta da lavoura, pois durante os distúrbios ninguém tinha podido trabalhar. (I.c. p.27s). Em fins de outubro de 1920, Frei Feliciano foi transferido para nossa paróquia de Vigia (onde Frei Samuel tinha criado uns casos) e Frei Querubim Breumelhof voltou para Joaíma. Logo fez diversas viagens. E assim, em 20/01/1921, fez a festa de São Sebastião no Norte, festa essa que foi brilhante. (SC.1943, p.84).
Frei Letâncio Vaske. Nesta imensa região entre as nossas duas paróquias vizinhas de urucu (=Carlos Chagas) e Jequitinhonha (250 x 10 km, com uns 100.000 habitantes), os Superiores resolveram criar uma nova freguesia. Frei Letâncio, coadjutor de Frei Simeão van den Akker em urucu, ficou encarregado (em fins de 1937) com essa fundação. E logo apresentaram-se diversas localidades para ser a sede da nova freguesia e residência do vigário: Água Bela, Rio Negro, Umburanas e Norte. Por ser mais central e mais religioso foi escolhido São Sebastião do Norte. Frei Letâncio lá chegou no dia 07 de janeiro de 1938. Houve grande festa em honra do bom padre e do santo Padroeiro, São Sebastião, cuja festa juntamente se celebrava. Conta Frei Letâncio que provisoriamente foi residir numa casa modesta de seis pequenos cômodos, chão de terra batida, telhado fraquinho demais, para que um rapazinho pudesse trepar nele para consertar eventuais goteiras. Após as festas, custou ao povo cair na realidade de fazer a prometida casa nova do padre: tirar pedras na pedreira, fazer a terraplenagem, serrar madeira, cozer telhas etc. mas uma vez começada, a casa ficou pronta antes do fim do ano de 1938. O Frei trabalhou bem, como consta na estatística do movimento religioso sobre 1938. Assim dentro de 2 anos, Frei Letâncio firmou as bases da vida católica em São Sebastião do Norte, pois, em outubro de 1939, ele foi transferido como vigário de Jequitinhonha,no mesmo Nordeste de Minas.
Frei Peregrino Loerakker, foi nomeado vigário de São Sebastião do Norte. E só em 1941 teve tempo de descrever seus trabalhos nesta região.
No mesmo ano de 1941, o zeloso vigário queria fazer sua visita paroquial à aldeia do Machacalis, como, aliás outros padres e até bispos tinham feito, geralmente com pouco resultado e muitos aborrecimentos, apesar dos presentes distribuídos. Mas o encarregado do Serviço de Proteção aos Machacalis lhe impôs um ultimato: ou batizar os índios ou não voltar mais! Frei peregrino escolheu a segunda opção, para assim evitar a velha solução, aplicada aos índios: tirar-lhes as terras e dar-lhes Jesus.
Em 1945, o operoso vigário de São Sebastião do Norte caiu gravemente doente, atacado de tifo ou paratifo e correu sério perigo. Mandaram um portador a Jequitinhonha... e chegou Frei Floriano Groen. Com mais uns cinco dias a febre baixou e resolveram mandar pegar os burros e arriscar a viagem a Jequitinhonha em procura de outros ares.
No fim de outubro, mais ou menos restabelecido, o vigário voltou para o Norte para celebrar a festa do Cristo-Rei. No mês de outubro o incansável Frei Floriano fez o giro paroquial em lugar do vigário Frei peregrino. (SC.1946, p.68s)
Em maio de 1946, Frei Peregrino, com um grande número de cavaleiros, foi ao encontro de Dom José de Haas que, acompanhado de Frei Manuel Smeltink, fez a visita pastoral no Município de Águas Formosas, em 10 lugares, com maior movimento em São Sebastião do Norte. (SC.1946. p.84) Em janeiro de 1947, o Norte ganhou um coadjutor: Frei Angelino Steverink. Disso Frei peregrino aproveitou, em junho de 1947, para ir à Holanda para umas bem merecidas férias. (SC.1947, p.19 e 110). Ele retornou a 31/01/1948, bem animado e satisfeito por voltar para os seus paroquianos. Quando em fins de dezembro de 1949, saiu a lista capitular da nossa nova província, Frei Peregrino foi confirmado como vigário e superior no Norte com Frei Angelino como coadjutor com incumbência especial por Águas Formosas. Pouco depois, já em junho de 1950, Frei Angelino foi (comigo) á Holanda. Retornamos em janeiro de 1951, quando Frei Angelino ficou muito sentido por não voltar mais para o Norte e Águas Formosas.
Em 1954, São Sebastião do Norte foi criada paróquia, já com o nome de Machacalis. Frei Peregrino ainda construiu magnífica matriz e muito boa casa paroquial, mas em 1969, bastante adoentado, teve de entregar a paróquia ao seu sucessor Frei Lauro de Koning, que dirigiu a paróquia e o ginásio; conseguiu ainda Religiosas para a paróquia, mas por doença não agüentou mais. E a paróquia voltou à Diocese em 28/03/1977. De paróquia, em que em 1938 Tudo ainda estava para fazer, os nossos confrades fizeram uma paróquia muito boa: que viva, cresça e floresça cada vez mais!
Por Frei Helano van Koppen Fonte: Nossas Paróquias Mineiras, p.76-79. .