A nova freguesia de Vila Ernestina, caçula das nossas paróquias no Rio Grande do Sul, foi criada por S. Excia. Dom Antônio Reis, Bispo de Santa Maria, em decreto datado de 26 de abril de 1950. Uma semana depois foi nomeado o vigário, Frei Cristiano Teunissen, e em seguida instalado pelo delegado ad hoc, o R.P. Frei Olímpio Reichert, Vigário de Não Me Toque.
Como tudo tem a sua história, também a criação desta paróquia a tem.
Pelo fim de 1947 havia visita pastoral em Não Me Toque. Acompanhado pelo Vigário e pelo Coadjutor R.P. Frei Sebastião Jans, percorreu Dom Antônio as capelas conferindo o sacramento do crisma e confortando o povo com a sua palavra. Pararam também um dia nesta Vila de Ernestina. O lugar contava umas trinta casas, hospital, hotel; tinha seu doutor, pastor protestante, subprefeito, escrivão, etc. Nessa ocasião veio uma comissão do povo falar com o Sr. Bispo. Explicaram a situação da zona. A crescente população. A falta de instrução religiosa. A grande distância da matriz e também de outros lugares onde há padre. A presença de um hospital. A construção de uma grande usina no Salto do Jacuí, etc.etc.. E por fim pediram a S. Excia. um padre para atender a toda a zona. Tendo ponderado os motivos pró e contra e após consulta com o Vigário Frei Olímpio, prometeu S. Excia. criar aí uma nova paróquia. Exortou o povo a trabalhar desde já para este fim.
Assim estavam as coisas quando subi para a serra. No dia 1º de dezembro de 1947 fui provisoriamente transferido a Não Me Toque para substituir a Frei Sebastião, que provisoriamente fora nomeado vigário de São José do Inhacorá. Tive sorte. Ainda pude falar com Frei Sebastião, que já estava com as malas nas mãos para sair. Sistemático que é, Frei Sebastião em pouco tempo me pôs ao par da situação. Mostrou-me mapas pequenos e grandes da paróquia, indicou-me as distâncias entre uma e outra capela, as estradas, os hospedeiros, as questões pendentes, etc.. Foi naquela noite que fiquei sabendo da existência de uma vila chamada Ernestina, sede de uma futura paróquia. Ainda naquele mês por ocasião da festa de Natal, visitei o lugar, o qual não achei nas melhores condições. Até então tudo correra bem no meu giro pelas capelas. Chegando porém a Ernestina, lembrei-me das palavras do velho Jó: Vita militia est. Havia aí uma grande lambança, complicada por diversas questões. Mas uma coisa fez estourar a bomba. Que aconteceu? A história é complicada e ridícula demais para contar tudo. Fatores que causaram a explosão eram: rivalidades, política e falta de juízo. Foi mais ou menos assim: Ernestina possui dois hotéis, os proprietários são ambos católicos, mas a mulher de um deles é protestante. Por isso a fábrica da capela, composta de cinco membros, resolvera hospedar o Bispo no hotel integralmente católico. Até aqui tudo mais ou menos. Por ocasião da seguinte visita do padre devia haver primeira comunhão de umas quarenta crianças. Catequista foi um dos fabriqueiros, ex-professor municipal, zeloso e um pouco histérico, que trabalhava muito pela religião, para a maior glória dele mesmo. Este era amigo político do dono do outro hotel. Sem consultar a ninguém combinou de fazer o café das crianças na casa dele. Os demais fabriqueiros, adversários políticos, entre os quais o dono do hotel integralmente católico, se reuniram e resolveram fazer o café no mesmo hotel onde se hospedara o Bispo. Rebentou a guerra! O catequista, que era também rezador do terço nos domingos, organista, dirigente do coro, puxador do sino, hospedeiro do padre, etc., furioso, num gesto eloquente jogou a chave da capela no chão e resignou de uma vez todos esses cargos. O presidente da fábrica entendeu-se com o vigário em Não Me Toque e foi procurar-me em outra capela com uma carta do vigário contendo indicações para mim. E eu completamente estranho à situação, com a carta do vigário no bolso, apressei-me naquela vigília de Natal a Ernestina afim de acalmar os ânimos. Mas não consegui. Até hoje se veem as consequências da briga.
Depois visitei dois anos em seguida a capela. O povo fez festas em prol da nova paróquia. Cobriram a igreja com telhas, pintaram e reformaram tudo. Compraram casa e terreno. O Bispo ofereceu a paróquia ainda não criada aos nossos padres. Ao cabo de algum tempo resolveu o Comissariado em princípio de 1949 aceitar a paróquia. Não havia porém padre à disposição. Ficou assim até o dia 1º de janeiro de 1950, quando recebi a minha nomeação por parte da Ordem. Foi informado o Bispo Diocesano, que me encarregou com os devidos poderes para conferenciar com outros vigários interessados, a respeito dos limites. No mês de fevereiro fixei residência em Ernestina, primeiro no hotel, depois numa casa própria. Escrevi, fiz viagens para cá e para lá. Um vigário estava em retiro, outro no hospital em Porto Alegre, etc.. Demorou até o mês de abril. Em seguida mandei um relatório à Cúria, e veio o Decreto da criação. Foram desmembradas de Não Me Toque quatro capelas, incluindo Ernestina, de Passo Fundo seis capelas, e de Marau duas capelas; de modo que a paróquia possui atualmente onze capelas espalhadas sobre uma área de 510 km². A distância até a capela mais afastada é de 34kms. As estradas são regulares, geralmente dá para se passar com aranha.
Calculo a população em 9000, dos quais 7000 são católicos. Os protestantes são fortes em Ernestina, Pessegueiros e Posse Gonçalves. No outro lado do rio Jacuí, onde há seis capelas católicas, existe um só núcleo de protestantes, que possuem também uma igreja.
Além das onze capelas temos ainda três escolas onde se reza a Missa, e mais três lugares onde pretendemos construir capelas. A de Barragem, no Jacuí, já se acha em construção e provavelmente estará pronta antes do Ano Novo de 1951.
A situação religiosa é diferente nas diversas capelas. Há por exemplo a de Santa Cruz, a mais antiga de todas. Domina a zona extensa e bem povoada, onde os brasileiros de origem italiana ou alemã são muito raros. O povo é pobre. Cada um tem dois, três alqueires, ou planta na terra do governo. O povo não é ruim, mas muito atrasado na religião. Antigamente, até há bem pouco tempo, vinham os padres de Passo Fundo, ou outros, uma ou duas vezes por ano. Faziam de oitenta a cem batizados e voltavam logo, deixando o povo na ignorância. As festas eram muito concorridas. Para o churrasco chegavam a matar cinco rezes e, no entanto, o lucro variava entre 50 e 300 mil réis. Terminavam as festas quase com briga, de modo que os padres não tinham jeito de endireitar o povo. A capela de Santa Cruz nunca foi adiante. E já existe mais de quarenta anos! Na última visita houve cinquenta confissões. Na Missa falei sobre as condições para a Comunhão e que deviam estar em jejum desde meia-noite. Pareceu novidade. Logo a metade deles não pôde comungar por ter tomado café ou chimarrão. E isso numa capela que é visitada por padres desde 1910. Há muito ainda que fazer para o vigário de Vila Ernestina. Graças a Deus não é assim em todos os lugares. Mas até nas capelas chamadas ótimas se nota a falta de instrução. Por exemplo, em Santa Terezinha. A Missa é bem frequentada, e bastante gente vai à Comunhão todas as vezes que há visita do padre. Na última Missa me contaram que aí se formara um núcleo de espíritas, o primeiro na minha paróquia, e isto entre os colonos. Contou-me o hospedeiro que na casa de um certo Alfredo se reuniam espíritas vindos de Passo Fundo. Agora o tal mesmo aprendera, e sua mulher. Organizou-se no sábado antes de minha visita uma sessão em homenagem ao falecido pai desse Alfredo. Convidaram-se os vizinhos para rezar o terço. Muitos foram para lá. Uns dizem sessenta, outros cem. De fato rezaram o terço e cantaram o Queremos Deus e depois queriam de certo entrar em contato com o falecido pai. Justamente neste momento solene chegaram uns rapazes que deram tiros pelo ar, assustando assim a reunião e mais ainda a alma do pai. Dissolveu-se a sessão. Estavam furiosos. Segunda-feira havia Missa. Toda a trinca estava presente menos o chefe. Não me foi custoso achar assunto para a pregação. Falei do espiritismo. Depois da Missa fiz batizados. Havia muito barulho lá fora. Terminados os batizados olhei pela janela. Pedras e porretes voavam pelo ar. Umas dez pessoas estavam-se batendo na rua perto da capela. Saí às pressas para separar os brigões, o que se conseguiu com a ajuda de outros. Eram os espíritas contra os valentões que tinham atrapalhado a sessão no sábado à noite. Não houve vítimas, mas estavam bastante excitados. Outro dia veio o chefe em pessoa. De novo carreguei contra o espiritismo. Depois da Missa mais uns dez minutos contra o próprio chefe. À tarde fui visitar uma família que estivera presente ao terço dos espíritas. Tive novamente ocasião de reparar que a causa principal da superstição deles era a falta de instrução religiosa e o analfabetismo. Quase todos são analfabetos. E acreditam em tudo. Malícia há só no chefe, nos outros estupidez. Uma dessas pessoas deve ter dito até que no mundo está Deus em primeiro lugar e depois vem o Alfredo Gehl, o espírita.
Mas, sufficit frater...
Daqui a um ou dois anos podemos dizer mais. Estamos lançando os fundamentos da nova paróquia. Vai sempre devagarzinho. Começar com as crianças. Fizemos neste ano primeira Comunhão das crianças. Na matriz umas 47, bem preparadas; nas capelas umas 70. Fundei o Apostolado da Oração e a Associação de Santa Isabel, para as mulheres. Quem sabe o que será esta paróquia daqui a trinta anos.
Quanto às vocações, já possuímos dois rapazinhos no pré-seminário dos Padres Redentorista em Pinheiro Marcado e um no seminário de Caxias, outro já está no convento dos Capuchinhos. Também nós estamos espiando e pescando. Temos fé no futuro e confiança na infinita bondade e sabedoria divina.
Frei Cristiano atuou na Paróquia de Vila Ernestina até dezembro de 1950. Com sua saída foi nomeado um novo vigário: Frei Ernesto Jungblut, que assumiu no início de 1951. A Estatística do Movimento Religioso de 1951 nos dá conta de que a paróquia contava com 14 capelas e assistência de 7000 almas, tendo recebido 3.261 fiéis em confissão, 3.495 comunhões e celebrado 44 casamentos. Nos anos seguintes, o movimento religioso em geral não se alterou.
O ano de 1954 começou com a troca de vigários. Frei Ernesto foi transferido e em seu lugar chegou Frei Lúcio Dupont, que nos narra um pouco da situação em que encontrou Ernestina e aqui colocamos de forma resumida:
Frei Cristiano Teunissen, o primeiro pároco, ficou até o fim de 1950; em seguida Frei Raimundo Braun se encarregou durante três meses da paróquia, até a vinda do segundo vigário, Frei Ernesto Jungblut, a 3 de março de 1951. Em 21 de fevereiro de 1954 este passou a paróquia ao vigário atual, Frei Lúcio Dupont. Na ocasião da tomada de posse espantou-se o novo vigário com a assistência à santa Missa: mal encontrou testemunhas para esta solenidade. Eram dois assistentes. Lá fora fazia mau tempo.
Se em dias seguintes a assistência à Missa chegou a ultrapassar o número do primeiro dia, nem por isso se pode dizer que haja um grande movimento religioso. Mesmo aos domingos muitos ligam pouco ou nada à santa Missa. Por isso há de se pelejar aqui contra uma incrível ignorância religiosa e indiferença, endurecida ainda pelo protestantismo, espiritismo, superstição, ao mesmo tempo em que campeia o jogo, a bebedeira, as intrigas. Isto principalmente na sede; nas capelas a situação em geral está melhor. Menos em um povoado onde, por causa de intriga muitos não pisaram na igreja durante anos, desde que desapareceu, roubado, o sino dessa capela com outros objetos.
Para atender às capela, a paróquia possui o seu Ford 29.
No ano passado, no mês de maio, foi realizada pelo Sr. Bispo de Passo Fundo Dom Cláudio Colling, a visita pastoral em que foram visitadas 12 capelas.
Há planos de se conseguir Irmãs para dirigir um colégio em Ernestina. O nome desta vila - devido a Dona Ernestina - fundadora da localidade - saiu de sua obscuridade com a construção da barragem sobre o rio Jacuí. Grande número de colonos foi obrigado a se retirar devido às águas que invadiram as terras. Também para o serviço paroquial foi grande o prejuízo, por haver sete capelas, isto é, a metade, no outro lado do Jacuí; e uma das capelas desapareceu quase por completo com a represa.
Este ano os R.P. Redentoristas pregarão as Santas Missões na paróquia. Já faz quinze anos que não houve missões por aqui.
Frei Lúcio Dupont foi vigário em Ernestina durante onze anos. Com a sua saída, em dezembro de 1964, foi nomeado para a paróquia o Frei Aureliano Prick, que é o nosso conhecido Frei Francisco Prick.
Frei Prick trabalhou pouco tempo por lá. Logo foi a vez de Frei Rodolfo (Irineu) Wilges assumir, em julho de 1965.
Frei Rodolfo Wilges continuou como pároco de Ernestina até a criação da Custódia Franciscana de São Francisco de Assis.
Fonte: RSC 1947 - pág. 137
RSC 1950 - pág. 21
RSC 1951 - págs. 3, 25, 26, 27, 28
RSC 1952 - págs. 134, 135
RSC 1954 - pág. 29
RSC 1955 - págs. 138, 139
RSC 1964 - pág. 291
RSC 1965 - pág. 151.