IN MEMORIAM
Nasceu Frei Tiago em Groningen, na Holanda, aos 5 de janeiro de 1888; após seus estudos ginasiais em Venray entrou no noviciado em Alverna aos 7 de setembro de 1914, emitindo a profissão de votos temporários em 8 de setembro de 1915 e a profissão de votos solenes em 8 de setembro de 1918. Recebeu a ordenação sacerdotal aos 6 de março de 1921 das mãos do Mons. L.Schrijnen. Veio ao Brasil a 29 de janeiro de 1924. - Trabalhou os dois primeiros anos como coadjutor em Teófilo Otoni, (1924-1926) depois foi Vigário em diversas paróquias no Rio Grande do Sul, como em Vila Fão, (1926-1930) Vila Sério, (1930-1931) Pelotas - Igreja da Luz - (1932-1934) Daltro Filho, (1939-1941) São José do Inhacorá, (1941-1947) e Porto Alegre - Igreja S.Francisco - (1947-1949). Foi recrutador do Seminário Seráfico São Francisco em Taquari durante 5 anos (1934-1939), Nos sete últimos anos trabalhou de novo em Minas como Vigário Geral e Secretário de Dom José de Haas, falecido bispo de Araçuaí, (1949-1953); depois foi professor e diretor espiritual dos alunos no ginásio em São João del Rei (1953-1954) e nos dois últimos anos (1955-1956) capelão da Colônia Padre Damião, perto de Ubá. Foi lá entre os leprosos que adoeceu, O câncer atacara o fígado, o estômago e o duodeno. Transferido para Divinópolis faleceu aí o zeloso sacerdote. Foi enterrado no cemitério conventual de Divinópolis.
Afinal caiu a árvore, o robusto, o inflexível Frei Tiago.
Durante 32 anos consagrou toda sua vida sacerdotal, todo o seu coração e todas as suas energias, que não eram poucas, ao bem da nossa Província. Os interesses dela eram sempre inteiramente os seus.
Vocação tardia, do alto Norte da Holanda, toda a sua pessoa se caracterizava por uma certa severidade, tanto nas convicções como no seu proceder. Em nenhum lugar ficou durante muitos anos; cinco anos era o máximo. Mas em todo lugar e em toda obra onde metia a mão deixou os vestígios inapagáveis da sua atividade; e sempre ainda, uma saudosa lembrança no coração de muitos amigos. Pois Frei Tiago era o tal!
O seu estágio de vida missionária ele o fez em Teófilo Otoni durante um ano e meio. Os antigos sabem o que era o trabalho, no ano de 1924, nas redondezas da Princesa do Mucuri.
Porém, o grande mérito da sua vida está no Rio Grande do Sul, onde Frei Tiago foi, incontestavelmente, pioneiro número um.
Foi ele o primeiro vigário da nossa primeira paróquia na terra Gaúcha: Vila Fão; e o primeiro, outra vez, da paróquia desmembrada desta: Vila Sério. Daquelas colônias italianas foi transferido para inaugurar e organizar a paróquia de Nossa Senhora da Luz em Pelotas.
Depois dumas férias bem merecidas na sua pátria, voltou como recrutador, para o Seminário Seráfico em Taquari. No lombo da sua famosa mula, "a mula de Frei Tiago" conhecida em toda a região colonial e a todos os vigários, percorreu inúmeros quilômetros em busca dum grande ideal: seminaristas para Taquari.
Penosa era aquela vida e cheia de desencantos; não somente pelos incômodos do muito viajar, mas mais ainda pelas desistências de tantos seminaristas que ele com tanto sacrifício tinha conseguido. Mas Frei Tiago não era tipo para desanimar. "Um resto ficará", ele o sabia e um resto precioso ficou de fato. Agora eles vivem entre nós, compensando copiosamente tantos labores, os Freis Inácio, Anselmo, Bruno, Léo, Lúcio, Lino, Roque, Bernardo. Nos lares de todos estes, Frei Tiago era um hóspede bem vindo e, no exercício do seu sagrado ministério, tomou ali bastante chimarrão, atraindo a colonada da redondeza por suas célebres gracinhas. "Die Witzen von Frei Tiago", cuja espirituosidade estava perfeitamente ao alcance daquele simples povo, e corriam de boca em boca.
Quando em 1939 recebeu incumbência de procurar, na região colonial, um lugar apropriado para um convento de noviciado e filosofia, e quando as melhores ofertas foram impedidas pelo então arcebispo de Porto Alegre, encontrou Daltro Filho que, apesar de não estar situado na arquidiocese, dominava contudo a mesma região de Alto Taquari. Anos e anos depois, ao levantarem-se tantas opiniões em contrário, Frei Tiago sempre consolava a sua consciência pelo raciocínio: "dentro da incumbência que eu recebi, não havia solução melhor
Em Daltro Filho, novamente, era pioneiro. Primeiro vigário da paróquia recém-fundada e construtor do convento. A sua mulinha foi troteando pelas íngremes ladeiras, e já de longe era reconhecida pela alegre italianada. Ah, quem conheceu o "Ipiranga" daqueles tempos, sabe que vida se passava ali. Simples, feliz, mas primitiva.
Quando o convento começava a ser habitado e o movimento se normalizou, o pioneiro ficou sobrando e foi encontrar-se, de novo com seus queridos colonos no distante São José do Inhacorá.
Foi este o último campo da sua vida de viajante. Manifestaram-se os primeiros sintomas do declínio das suas forças. A uma surdez sempre ingravescente juntou-se um destroncamento do tornozelo, por uma queda do animal. Então se revelava toda a dureza do seu caráter: primeiro em não querer procurar em boa hora o recurso da ciência médica, e mais ainda, em suportando, com aparente insensibilidade, dores bem agudas. Não podia mais montar a cavalo (sua boa mulinha ficara atrás em Daltro Filho). Precisava dum lugar, onde não havia de viajar: Porto Alegre.
Na capital, num par de anos, soube ainda realizar uns melhoramentos de valor: construiu um muro ao redor do terreno da Igreja, que foi um verdadeiro baluarte contra os moleques; ladrilhou e pintou a Matriz, sem deixar muita divida para o seu sucessor. Tudo isto ele alcançou não obstante de ter-se incompatibilizado bastante com o sexo devoto, que durante o reinado de Frei Tiago viu reduzidas a zero as suas prerrogativas na sacristia e demais dependências. Onde mandava Frei Tiago, ali mandava nenhum outro, por mais devoto que fosse.
Quando em março de 1949 voltou para a Holanda em gozo de férias, terminou para sempre a sua carreira no Rio Grande do Sul. Adeus, Frei Tiago; adeus, Rio Grande! A vossa tarefa aqui acabou, pois a época do pioneirismo terminou.
Como homem velho, apesar de não querer sabê-lo, ainda se fez muito meritório em Araçuaí como Vigário Geral e Capelão de Nazaré. Elogios da sua atuação como espiritual em São João del Rei percorriam toda a Província e, de bom gosto, quero acredita-los; pois Frei Tiago era um pregador que impunha; o que ele disse era evangelho, ainda que não estivesse no Evangelho.
Todo magrinho e irreconhecível vi-o entrar no refeitório de Santos-Dumont, para seguir ali o retiro de julho de 1956. Era preciso ouvir primeiro a sua voz, essa voz gravíssima e lenta de Frei Tiago, para me convencer que de fato era ele.
Naquela ocasião, em conversas íntimas, tive ainda oportunidade para constatar o quanto o homem de ferro suportava, no meio dos seus doentes. Quanta abnegação e quanta penitência causou à sua constituição doentia, a cozinheira inflexível como ele mesmo. Frei Tiago nunca foi muito exigente quanto à comida, mas, lá em São Damião, era demais para ele. A seu pedido fiz ainda uma poesia para saudar Dom Delfim na sua próxima visita pastoral à Colônia: Ele se mostrava grato como uma criança e tendo lido a última estrofe, ria gozado: "Esta é boa
Mas os dias dele estavam contados. Suponho que a recepção de Dom Delfim foi o último dia de satisfação para o velho missionário. Irmã morte vinha-se aproximando com asas velozes, para livrá-lo do seu sofrimento. Também Frei Tiago tinha de inclinar-se diante dela. Este ato heróico coroou a sua vida.
Ele não quis acreditar que a sua hora tinha chegado; sentia-se fraco, é verdade, mas sempre com essa indomável energia que lhe inspirava a confiança de poder vencer. Foi preciso que o Padre Provincial mesmo lhe fosse convencer, em termos bem claros que para ele, que nunca deixou morrer alguém sem sacramentos, estava na hora de se preparar. Tremenda luta desencadeou-se então naquele caráter, que nunca conheceu a significação da palavra "entregar-se Mas a graça venceu e, nos últimos 15 dias, ele estava calmo, sereno e conformado. O doutor julgou que devia sofrer dores horríveis, mas os que o tratavam, mal mal o podiam acreditar. Porém Frei Tiago era assim. Seja que ele tenha sido duro para os outros, o certo é que não foi menos duro para consigo mesmo. Seus gemidos eram um simples "Oh Senhor... Seus lábios se moviam em contínua oração e, num estado inconsciente devido a uma injeção, a sua alma voou para este "Senhor", pelo qual tanto tinha trabalhado e sofrido.
Por Frei Ildefonso Wouters
Fonte: Revista dos Franciscanos da Província Santa Cruz, 1957, p. 13 a 16.