IN MEMORIAM
Frei Sabino (Franciscus Jacobus) Staphorst nasceu aos 18 de agosto de 1878, em Heemstede, na Holanda. Fez o curso de humanidade em Megen, ginásio dos Franciscanos, de 1890-1896. Tomou o hábito franciscano no Convento de Wychen, aos 2 de outubro de 1896. Fez a profissão simples, no mesmo convento, aos 5 de outubro de 1892. Emitiu votos solenes, aos 9 de outubro de 1900. Recebeu a ordenação sacerdotal, aos 22 de março de 1903, das mãos do Exmo. Revmo. Sr. Dom João Hofman, O.F.M., Vicário Apostólico de Chansi meridional na China.
Chegou ao Brasil aos 29 de junho de 1905, desembarcando em Niterói. Aqui teve as residências seguintes: Ouro Preto (1905-1907), São João del Rei (1907-1911), Entre Rios (1911-1912), São João del Rei (fevereiro e março de 1912), Teófilo Otoni (1912-1915). Araçuaí (1915-1919), Lufa (1919-1920; primeiro vigário de Lufa, que antes era capela filial de Araçuaí. Pela mudança de sede portence, hoje em dia, a Novo-Cruzeiro), Teófilo Otoni (1920-1922), Araçuaí (1922-1923), Teófilo Otoni (1923), São João del Rei (1923), Corinto (1923-1925), São João del Rei (1925-1932). Divinópolis (1932-1941), Cascadura (1941-1945), Pará de Minas (1945-1946). Belo Horizonte (1946-1949), Cascadura (1949-1957). Faleceu em Cascadura, no dia 4 de agosto e foi ali sepultado.
Ao entrar na Ordem franciscana o moço Francisco Tiago Staphorst - nenhuma dúvida me sobrevém do dizê-lo - carreira que vinha procurar era ser missionário entre os pagãos. Como a Província holandesa, naqueles dias, apenas tinha a missão na China, tornou-se este país o ideal de seus anelos. À medida que corriam os dias no clericato vinha-se consolidando esta aspiração heróica. Resultado: já queria ser útil para a missão de China. Como? No 2° ano dos estudos teológicos, na faculdade de teologia em Weert, foi o primeiro que começou a colecionar selos usados do correio com o fim de, vendendo-os, ajudar a missão. Primeiro ele só, em sua cela... depois, havendo já uns companheiros de igual aspiração, em um quarto que o Rev. Pe. Guardião do Convento lhes cedeu para tal fim. E aí temos a origem da agora afamada e benemérita obra dos "selos usados", em prol das missões pagãs. Muito entusiasmo havia entre os clérigos de Weert. Não levou tempo, já era 10, até 15, 18 do curso que, sacrificando a hora do recreio depois do almoço se reuniam para fim tão elevado. E feita alguma propaganda fora do convento, mormente nas paróquias franciscanas da Holanda, aí vieram chegando sacos e mais sacos de selos usados. Daí até agora já vai mais de meio século. É considerável o auxílio financeiro que a missão chinesa recebeu neste lapso de tempo. Devemo-lo à coragem de Frei Sabino de iniciar e firmeza de caráter de não recuar diante de dificuldades. E mais uma vez vemos verificada a regra de que as obras de Deus começam em escala menor e crescem à medida que mais se enraízem na confiança em Deus.
Nada há de admirar-se que uma vez ordenado fosse um dia Frei Sabino, ao seu pedido, pelo Mui Rev. Padre Provincial enviado para a China. E tão certo estava de alcançá-lo que a um confrade que dele se despedia para vir ao nosso Brasil, francamente confessou: "Não! Vou para a China!..." Porém, mais uma vez se verificou o ditado: "O homem põe, Deus dispõe Uns meses depois da ordenação sacerdotal, Padre Sabino foi nomeado professor no mesmo ginásio franciscano - ou seminário menor se quiserem - onde ele estudara a humanidade. Esteve ali 2 anos. Depois ofereceram-lhe a missão no Brasil. Aceitou. Chegando aqui em 1905.
Desde que pisou a terra brasileira, a tomou para campo de sua atividade na cura de almas. Nos 52 anos que viveu aqui - quase sempre em Minas - percorreu toda a escala variada de ofícios, cargos, incumbências, ou, para resumir numa palavra, de atividades diversas da vida apostólica. Foi coadjutor de paróquia, pároco, missionário de missões populares, pregador afamado, catequista a crianças e ao povo em geral no púlpito, pregador de retiros ao clero, aos fiéis de associações piedosas, a religiosas de diferentes congregações. Foi padre espiritual de colégios tanto de rapazes como em São João del Rei do ginásio Santo Antônio, como das moças em colégios de religiosas. Confessor ordinário e extraordinário de religiosos e freiras.
Além disso teve anos de professor de ginásio ou colégio: em São João del Rei, no já não mais existente ginásio de São Francisco, propriedade da Ordem Terceira Franciscana; em Araçuaí, no ginásio episcopal São José, fundado pelo Exmo. Sr. Bispo Dom Serafim Jardim.
Outra vez em São João del Rei, junto com o então Frei José de Haas, mais tarde bispo de Araçuaí, e com o Irmão Frei Antônio Sloezen internou-se no asilo ou escola de Artes e Ofícios São Francisco, que ainda existe, pertencente à mesma Ordem Terceira. Ainda lente da faculdade teológica de Divinópolis, primeiro de Dogma, depois de Moral e Direito Canônico, professor de português para os clérigos e de Eloqüência Sacra.
E, de mais a mais, em todos os lugares onde residia ou passava procuradíssimo para confessor, dos homens em particular. Como tal requisitado por sacerdotes e clérigos que para ele vinham expor as dúvidas do seu ministério. E houvesse o que houvesse, nunca se negou a atender, fosse - como por aí diz São Francisco de Sales, quem fosse: uma pobre velha na igreja, ou um graúdo do mundo, ou um preso na cadeia. Chamado para tal serviço, pronto estava ele. Conheceu por experiência própria, a vida dura, pesada do vigário da roça, e a mais suave do clero nos grandes centros "civilizados", como muitas vezes por ilusão, os chamamos.
Em toda a sua atividade sacerdotal seguia a regra comum do sacerdote abnegado, despretensioso, despreocupado de si próprio. De como o tratam ou trataram não cogita. Apenas como vai tratar os outros a fim de ganhar almas para Cristo.
Quando Padre Espiritual do ginásio Santo Antônio, em São João del Rei, fundou, na igreja do convento, a Ordem Terceira de São Francisco segundo a regra reformada de Leão XIII. Teve ainda o cargo de Visitador das Ordens Terceiras, ofício que exerceu com sinceridade e bastante rigor.
Quando em 1908 o então Arcebispo de Mariana D. Silvério Gomes Pimenta nos convidou para pregar missões na Zona da Mata de Minas, foi formada a primeira turma de missionários; constando de R.P. Frei Benvindo Poell, Padre Mestre, como companheiros Pe. Frei Sabino Staphorst e Pe. Frei Flaviano van Liempt. Pregaram primeiro missões em Bento-Rodrigues, Camargos, Cocais, Catas-Altas. Logo depois foram para a própria Zona da Mata, pregando as missões populares em Carangola, Manhuassú, São-Simão e Matipó. Foi a primeira tentativa de pregação de missões dos nossos em Minas. Infelizmente não continuaram.
Aí está o varão propriamente chamado: ministro de Cristo. Preencheu a vida sacerdotal até o limite extremo. Em mais outra atividade de nosso confrade havemos de tocar: seus trabalhos para a imprensa católica. Compreendia o nosso Frei Sabino a necessidade de defender a Cristo e sua Igreja. Mormente contra heterodoxos, apóstatas, pastores norte-americanos protestantes. Daí que em horas livres da atividade externa se pôs a escrever. Como tinha por onde em sua vasta e variada cultura e erudição, fez o com brilho e resultado. Fazemos seguir aqui uma relação incompleta de suas publicações na imprensa.
Andava já o nosso confrade, antes de seguir para Teófilo Otoni, a colaborar em revistas e jornais locais. Absolutamente avesso à vanglória acostumava não assinar, ou com o pseudônimo "Silva Passos", que tomava por tradução de seu nome de família, ou então simplesmente "S. P.
Em Teófilo Otoni era colaborador sem falta da "A Família", jornal nosso, lamentavelmente extinto. Nessa época quase não saia um número sem um artigo de Frei Sabino. Em 1914, março, tomou a redação por poucos meses, pois aos 2 de agosto de 1914 voltou da Europa o fundador, o falecido Rev. Pe. Frei Benvindo Poell; e vieram, mais tarde, quando o Brasil entrou na I Guerra Mundial, as complicações políticas. Tomou, nesta ocasião, a redação o Dr. Tristão da Cunha. Aos 20 de outubro de 1920 foi instituído Frei Sabino redator da mesma folha, sucedendo ao Rev. Pe. Frei Querubim Breumelhof. É de crer continuasse até 1922, quando voltou a Araçuaí. Ao mesmo, em data anterior, já fôra redator do Boletim Eclesiástico, extinto em 1915, ressuscitado em 1943. Na "A Família" publicou em 1925-26 o folhetim" Os Mártires de Gorcum" traduzido do francês do R. Pe. Humberto Meufels, C. M. Episódios das guerras religiosas do século XVI. Em 1949 saiu o mesmo em livro, na Editora Vozes, de Petrópolis.
Traduziu do inglês o romance "O ouro que mata", publicado na Editora Vozes, de Petrópolis.
Foi o primeiro redator de "A Santa Cruz", na qual sempre colaborou.
Na revista trimensal "Deus o quer", editada pelo Comissariado da Terra Santa em Cascadura, - já extinta - publicou nos anos de 1925 e 1926 uma série de artigos históricos dos Hospícios da Terra Santa no Brasil, tirados das crônicas dos mesmos Hospícios em Cascadura, Sabará e Bahia.
Publicou em 1926 em holandês, com o título "Vijf en twintig jaar in Brazilie" (25 anos no Brasil) o resumo histórico do nosso Comissariado. Compôs uma gramática portuguesa para holandeses, pro manuscrito. Idem um dicionário português-holandês. Em português publicou uma coleção de práticas instruções religiosas.
Os apontamentos que aqui vão, alguma idéia podem dar de como passou os anos de sua atividade. Quanto ao cunho geral. de seus esforços, tudo está orientado para o da vida diária. Nas aulas de teologia, na pregação, no púlpito, nos labores da imprensa. De quanto ensinou, pregou, escreveu, podemos dizer: este autor, professor, pregador, quer ser entendido e seguido praticamente. Enquanto escrevia, ensinava, pregava, vinha-lhe à mente a utilidade, o efeito prático para o auditório. Adaptava então o ensino à capacidade intelectual dos ouvintes... e lá vinha o exemplo exato, distinto, bem descrito como deviam proceder. De inteligência penetrante enxergava logo o coração do assunto... e ponto por ponto, em linguagem vulgar, seguia a explicação. E não havia, nem na mata de Araçuaí quem dissesse: "Não entendi o que o Padre quis dizer Instruções catequéticas, explicações evangélicas, sermões de missão, até panegíricos recomendavam-se por aplicações à vida comum no século. Por singeleza de palavras e naturalidade de tom. Longas considerações de altos assuntos teológicos, tão de gôsto dos basbaques que os não entendem, ou palavrório das "estranjas" nunca os produziu no púlpito. Pregava para o povo, não para os sabichões...
Este modo singelo de exprimir-se concordava em todo com sua individual formação espiritual. Porque traço dominante de seu caráter - assim ele se educou a si mesmo - era a lealdade, a sinceridade. Em todo seu pensar, no apreciar pessoas e teorias quis ser leal, sincero. Para com os outros, e para consigo próprio. E era absolutamente franco em manifestar sua convicção. Juízo formado por considerar o assunto em sua concorrência e sua inteligência, pronunciava-o com franqueza. No calor da conversa ou da discussão infelizmente a franqueza degenerava, às vezes, à rudeza. Porém, nunca lhe assistiu a intenção secreta de impor silêncio ao adversário por observações humilhantes, ofensivas. Se não levasse a franqueza até o último limite, parecia-lhe hipocrisia. Errou nisso. Estamos de acordo... Exagero? Falta de caridade? Não critiquemos. Lembremos-nos de Jo. 8, 7.
Desta mentalidade proveio também seu senso do absoluto. Não tolerava a medianidade, a mediocridade. Máxime quanto ao proceder moral do homem. Essa gente meio para cá, meio para lá, aborrecia-os. Compreendia perfeitamente a fraqueza humana. Fazia por corrigi-la. Por escrito e pela palavra. Dar por cousa de mínima importância uma falta moral em homem que se preza, isso nunca lhe veio à mente. E muito menos ainda se já se tornara hábito.
Daí também a veemência nos termos em discussões pela imprensa com protestantes - e pior - com católicos relaxados, indiferentes e cortejadores de ateus e outros desse gênero. Tais lutas sustentou muitas. Não por prazer, longe disso, nem por exibição. Simplesmente por amor à verdade, à Igreja, a Cristo Senhor Nosso e por respeito à sua própria personalidade de sacerdote. E ainda por dever de gratidão a Deus que lhe concedera capacidades de defendê-la. O peso da responsabilidade pelos dotes extraordinários recebidos de Deus, pelos cargos que preencheu muito o sentia. Daí que por duas vezes recusou ser superior de casas religiosas. Escrúpulo? Ou será que tivesse certo sentimento de seus próprios defeitos que lhe tirasse a coragem de mandar? Quem sabe? Cada qual de nós tem seus sentimentos inexplicáveis para os outros.
Apreciador da vida em comunidade, gostava da convivência com os confrades. Mostrou-o em Cascadura quando de 1941 a 1945 fôra capelão do Hospital de Nossa Senhora das Dores. Duas, três vezes por semana vinha passar às tardes, às vezes o jantar, no Santo Sepulcro.
Os últimos anos de vida passou-os em sofrimentos terríveis de asma. Conhecemos todos esses ataques de asma que quase sufocam... Sofreu-os sem se queixar depois. Estava entregue aos cuidados; do Rev. Pe. Frei Solano que, mais uma vez, mostrou compreender o que precisa um doente. Como não havia irmão enfermeiro, tratava, um enfermeiro formado secular, que residindo no Hospício da Terra Santa, dia e noite zelava o doente. Enfraquecendo aos poucos, faleceu nosso confrade aos 4 de agosto deste ano, às 5 horas da tarde; deitado na cama, todo vestido, de hábito, capuz cobrindo a cabeça, de solidéu, e de cordão. Coisa que sempre desejara: morrer assim. R. I. P.
Fonte: Revista dos Franciscanos da Província Santa Cruz, 1957, p. 107 a 111.