IN MEMORIAM
Chegando ao Brasil - em 1903 - foram logo, Frei Patrício e Frei Martinho, para Ouro Preto, donde, no ano seguinte, Frei Martinho foi removido para Niterói, trocando o lugar com Frei Frederico Voorvelt, então já assaltado do mal que o levou pouco depois.
Em Niterói serviu Frei Martinho durante pouco mais de seis anos como capelão da Irmandade de São Domingos, celebrando a S. Missa aos domingos às 9 horas, nos dias da semana geralmente à mesma hora, raras vezes mais cedo.
Com a aceitação, pelos Franciscanos, desta capelania, não há admirar não se limitasse o serviço apenas à assistência às festas e demais devoções da Irmandade. Em breve abrangeu toda a cura de almas: aulas de catecismo duas vezes por semana, com primeiras comunhões, no mínimo de seis em seis meses; chamadas para doentes, confissões todos os dias na hora da Missa, em dias marcados de tarde, mormente na véspera de primeira sexta-feira e dias de festas, e o mais que propriamente pertence ao ministério paroquial.
Celebrava o Frei Martinho aos domingos a primeira Missa às 7 horas no colégio das Irmãs Dorotéias, e mais um dia da semana. Nos demais dias ia dar ali a Sagrada Comunhão às Irmãs.
Umas tantas vezes por semana ia visitar o hospital da Prefeitura, único então existente na cidade, colocado no tope de respeitável morro. E não havia carro nem elevador à disposição do frade...
Falando em hospitais, tomavam os nossos conta do serviço espiritual do hospital-isolamento de Jurujuba, para onde, regularmente duas vezes por semana, ou mais freqüente a chamado, se dirigiam de bote, mais tarde de lancha. Incumbira-se deste serviço o mesmo Comissário Provincial, R.P. Frei Rogério, impedido o qual, tocava a vez ao Frei Martinho. E ainda duas vezes por semana iam os dois confessar os internos do Colégio de Santa Rosa, dos RR. Padres Salesianos.
Fôra ainda o Frei Martinho, durante dois ou três anos confessor ordinário das Irmãs Franciscanas do Sagrado Coração de Jesus, à Rua de Itapagipe, no Rio. Casa de noviciado e orfanato, havia umas quarenta ou mais irmãs, ocupando esse serviço o confessor o dia inteiro, sempre depois da S. Missa em São Domingos.
Não foram, pois vazios para o nosso Frei Martinho os anos de Niterói, senão cheios de serviços às almas.
De Niterói foi ao Sul de Minas, sendo o primeiro franciscano da diocese de Guaxupé, Vigário de Cabo Verde. Abrangia esta paróquia, naquele tempo, as capelas de Monte Belo, S. Cruz e Tuiuti, atualmente desmembradas, constituindo duas novas freguesias. Em Cabo Verde construiu o Frei Martinho a nova Igreja e a casa paroquial, cujo histórico ele próprio descreveu nesta revista.
Em Niterói deixou muitas e distintas amizades. Está viva ainda entre as famílias antigas a memória deste frade, sempre prestativo, sempre afável. E o mesmo se dá nos demais lugares por onde passou.
Pertenceu o nosso Frei Martinho à classe dos obreiros calados na vinha do Senhor. Cumpriu sua missão sem alarde. Nunca fez cousa alguma para chamar a si a atenção nem do povo, nem dos confrades, nem dos Superiores. Alheio a elogios próprios, se nesta revista relatou a construção da nova matriz de Cabo Verde, foi porque do alto da nossa Província lhe veio, se não já a ordem, ao menos o pedido.
Não se queixava de contrariedades. Por mais que lhe custasse a ordem recebida, não fazia objeções, não reclamava. Executava-a. E pronto. Assim não pequeno sacrifício lhe foi abandonar Cabo Verde, onde de fato estava estimadíssimo e acabava - quase de todo - de construir a casa paroquial. Algum dia se ele queixou porventura? Creio que não consta.
E assim como de si próprio não falava, nem dos demais. Nunca desandou em críticas, nem do povo, nem do clero, nem dos confrades. Muito menos dos Superiores.
De gênio convivente, nos tempos em que gozava saúde, tomava parte na conversa. Muitas vezes até mostrava-se expansivo. Dificilmente poderão representar-se nosso Frei Martinho expansivo os que apenas o conheceram avançado em anos, e sujeito aos achaques da velhice. Cousa natural e naturalíssima então se ele retirar algo, posto que nunca se tornasse incivil.
Por este mesmo gênio convivente nunca foi propagandista de viver sozinho. Fazia-lhe falta a companhia de um confrade quando, Vigário, ficara sem coadjutor. Não que receasse as viagens a cavalo. Que gostava de montar e tinha fama de seguro nos arreios. Era que o contrariava ficar só em casa, só com o sacristão ou com um empregado, roceiro sem instrução, que apenas sabia conversar em plantar milho e criar porcos.
Gostando de viver em paz, muito se calava ao ouvir conversar ou presenciar fatos capazes de interpretados malevolamente. Dificuldades no governar as paróquias, claro está, as encontrava. Se em muitas se acomodava por não lhe estar na mão o corrigir, em questões de direito eclesiástico não cedia. Defendia os direitos da Igreja. Sem receio. Até com a previsão de perder a estima das autoridades.
Sentindo, ou julgando, se aproximasse seu desatamento, pediu removido para Belo-Horizonte. Foi extinguindo-se ali. Qual lamparina noturna... Prostrado de cama, aceitava tudo. Impressionaram-se os que o visitaram, com o absoluto sossego com que esperava a morte. Recebendo mais uma vez a Extrema-Unção, grande alegria mostrava, agradecendo - como dizia - a Nosso Senhor mais esta graça.
Passados uns dias de completa inanição, veio o Anjo da Morte buscar o servo de Deus... Calmamente, com plena consciência do fato, sem um gemido, sem qualquer sinal externo, entregou a alma a Deus...
Estavam presentes poucos confrades. Que não esperavam o desenlace tão depressa.
As portas do céu lhe devem ter estendido os braços o glorioso Pai São Francisco...
Faleceu no Convento São Francisco das Chagas, em Belo Horizonte, aos 23/1/1951, com 81 anos de idade, 59 anos de vida franciscana e 53 anos de sacerdócio.
Por Frei Adolfo Thoonsen
Fonte: Revista dos Franciscanos da Província Santa Cruz, 1951, p. 42 a 44.