IN MEMORIAM
O Diário, o Estado de Minas, a Folha de Minas, todos de Belo Horizonte, O Sol, de Santos Dumont, publicaram bem desenvolvido noticiário a respeito da vida e da morte deste nosso Confrade.
É uma prova de quanto era querido e estimado. Esse dom de se fazer amado de todos quantos se aproximavam dele era mesmo um dos traços característicos da sua personalidade. Era um homem grave, de maneiras urbanas, comedido, afável e, o que é raro na nossa Ordem, tinha um que de aristocrático. Outro traço interessante de Frei Geraldo era sua habilidade de descobrir as coisas, fazendo umas perguntinhas como quem não quer a coisa, mas não desistindo em quanto não soubesse o que queria saber. Sua gravidade aristocrática não o impediu de se fazer amado dos seus paroquianos, os leprosos de Santa Isabel, que bem manifestaram. O alto apreço em que o tinham no dia do seu enterro. Sua doença foi bastante longa. O primeiro alarme foi dado no dia do seu aniversário, 29 de outubro de 1946, quando o Vigário e um dos coadjutores de Carlos Prates foram à Colônia, onde celebraram o aniversário com uma missa cantada. De volta em Carlos Prates, ambos disseram que tinham notado o aspecto sofredor de Frei Geraldo. As notícias que vinham chegando não eram animadoras.
A instância de Frei Zacarias, Frei Geraldo veio a Belo Horizonte, onde foi internado no Hospital São José onde sofreu duas operações (vesícula biliar) e donde saiu curado, cura essa que parecia pouco menos de milagrosa. Ele mesmo atribuía sua cura a proteção do Padre Damião. Voltou para a Colônia mas teve um auxiliar na pessoa de Frei Simeão. Piorou, teve de voltar para Belo Horizonte onde desta vez foi internado no Hospital São Lucas. Teve ótimo tratamento, e não sofreu dores muito fortes. Mas mesmo assim, era preciso muita paciência para sentir com resignação o lente diminuir das forças vitais. Todos quantos o visitaram estão de acordo para atestar essa resignação. Quem escreve estas linhas, não pode atestar de experiência própria, porque sendo eu mesmo um inválido, não pude visitar a Frei Geraldo em São Lucas senão uma só vez e então ele se mostrou muito alegre e satisfeito, e indagou do meu estado de saúde com tal solicitude que eu parecia ser o doente e ele a visita. Custou muito a perder as últimas esperanças de melhora, mas quando se convenceu, pediu os últimos Sacramentos, com bastante antecedência e calmo e resignado aceitou a morte das mãos de Deus. Podia fazê-lo assim, com calma e confiança, porque sempre foi um bom religioso, um bom franciscano. E na hora da morte esta é a única coisa que tem valor e que dá confiança.
Segue aqui a notícia publicada no O Diário de 27 de abril, que é da lavra de Frei Zacarias.
Faleceu, domingo, 25 de abril às 21:30 horas, na Casa de Saúde São Lucas, o Revmo. Frei Geraldo van Sambeek O.F.M., vigário da Colônia Santa Isabel. O desaparecimento do piedoso filho de São Francisco representa rude perda para a Ordem, à qual serviu com raro devotamento.
Com autêntica vocação de apóstolo, fr. Geraldo, como vigário da Colônia Santa Isabel, viveu totalmente para os hansenianos, sempre presente no meio deles, confortando-os com zelosa assistência espiritual para minorar-lhes os sofrimentos da moléstia. Por isso mesmo, o seu nome está ligado para sempre à Colônia, que lhe lamenta o desaparecimento, por compreender nitidamente a significação da grande perda.
Em cumprimento à última vontade do saudoso franciscano, seu corpo foi enterrado no centro do cemitério da Colônia, ao pé de um cruzeiro.
O enterramento de Frei Geraldo van Sambeek foi muito concorrido. O féretro saiu da Casa de Saúde São Lucas às 7:30 horas e chegou ao Preventório São Tarcísio às 9 horas, onde o aguardavam, além das religiosas, numerosos leigos. Formou-se então longo cortejo, sendo o corpo recebido à entrada da Colônia pela diretoria, corpo médico e funcionários.
Após ligeiras palavras do diretor, Dr. Delor Luis Ferreira o esquife de Frei Geraldo foi conduzido pelos hansenianos, em procissão até à Igreja de Santa Isabel. Em todo o percurso, além da voz dos padres que entoavam o ofício dos defuntos, só se ouviam o pranto. e o murmúrio das orações dos leprosos. De tempos a tempos, marchas fúnebres eram executadas pela banda de música da Colônia.
No templo, o Revmo. Frei Zacarias van der Hoeven, vigário de Carlos Prates, celebrou missa de corpo presente, acolitado pelos Revmos. Frei Edgar Groot, sobrinho do extinto, e Frei Simeão van den Akker, vigário substituto da Colônia. Ao Evangelho, com a voz embargada várias vezes pelo pranto, que aliás, a todos dominava, o celebrante pronunciou o elogio fúnebre do morto. Os leprosos executaram a Missa em gregoriano. Terminado o Santo Sacrifício, Frei Zacarias procedeu à encomendação solene dos restos mortais de Frei Geraldo. Seguiu-se, em meio de respeitoso silêncio, a inumação. A beira do túmulo falou, em nome da Colônia Santa Isabel, o sr. Oscar Stheling.
Dados biográficos - Nasceu fr. Geraldo em 29 de outubro de 1887 em Veldhoven. Filho de pais piedosos, dos seus dez irmãos um é bispo, três sacerdotes e uma religiosa, atualmente Madre Geral das Franciscanas de Veghel. Deixa fr. Geraldo sete sobrinhos sacerdotes, um clérigo e uma freira Ursulina.
Depois de ter completado o curso secundário em nosso ginásio de Venray, recebeu no dia 7 de setembro de 1907 o hábito franciscano e o nome de Frater Adjutus. Fez a sua profissão solene em 1911 e ordenou-se em 22 de março de 1914. Terminados os estudos superiores, diplomou-se em letras pela Universidade de Amsterdão (Cand. L. W.). Lecionou nos ginásios de Venray e Heerlen.
Em 9 de maio de 1926 chegou ao Brasil, usando daí em diante o nome de frei Geraldo. A sua primeira residência foi o convento de Divinópolis de 14 de maio de 1926 até 10 de outubro de 1931, onde naquele tempo funcionava o colégio seráfico. Em 14 de agosto de 1929 foi nomeado superior do convento e começou com a crônica desta casa, em que infelizmente faltam todos os dados anteriores sobre a construção e direção do colégio que ficou pronto em 1927. Além de praeses da casa era professor dos meninos e como consta dos livros paroquiais das igrejas vizinhas fr. Geraldo ajudou muito o Vigário de Divinópolis na cura d'almas (S. Sebastião do Curral, S. Antônio dos Campos, Marilândia, etc.).
Em 1931 quando o colégio seráfico foi transferido para Taquari, fr. Geraldo foi nomeado guardião, e professor do Ginásio S. Antônio em S João del Rei. Ladrilhou a capela do Convento, reformou os altares laterais e colocou os bancos do coro.
Transferido em 1934 para Corinto, foi no ano seguinte por causa de doença para Belo Horizonte. Em abril de 1936 ganhou licença de tomar férias na Holanda onde ficou por causa de saúde até outubro de 1937.
De volta no Brasil foi nomeado vigário de Muzambinho. Os jornais locais "O Muzambinhense" e o "O Muzambinho" dedicaram diversos artigos à memória de frei Geraldo. João Pena escreve no Muzambinhense de 9 de maio:
Sacerdote na mais lídima expressão, guiou frei Geraldo os destinos espirituais desta Paróquia de 24 de outubro de 1937 a 5 de abril de 1940.
Em dois anos e meio de intenso trabalho, frei Geraldo que amava os seus paroquianos, a todos tratando com aquela afabilidade que sempre o caracterizou, tudo fez para o desenvolvimento espiritual dos seus paroquianos.
Espírito empreendedor, sacerdote consumado, só teve em mira, trabalhar pelo bem espiritual da paróquia e pelo desenvolvimento material da mesma, nada levando daqui, mas tudo deixando, inclusive o que se tem de mais precioso na vida: a saúde!
Frei Geraldo, ao assumir a Paróquia, logo de início fundou a Irmandade de Santo Antônio, organizou a belíssima associação dos Cruzadinhos, reorganizou a Escola Paroquial "Frei Florentino", remodelou por completo a Casa Paroquial incentivando de modo impressionante o movimento religiosa na Paróquia.
E o encantador movimento religioso das crianças, com a Missa das 8 horas, aos domingos e as rezas às quintas feiras?
Quem não se sente como, que impressionado quando ao penetrar em nosso templo, aos domingos, presencia aquela infinidade de almas infantis, ostentando com um orgulho, "destituído de orgulho" os significativos distintivos da Cruzada, a elevarem para os céus, suas vozes puras? E as rezas às quintas feiras? Tudo isto que temos de belo, de significativo e de valor mesmo, a quem devemos? Ao esforçado e saudoso frei Geraldo que muito mais ainda poderia ter feito, não tivessem seus superiores necessidade dos seus serviços em Santos Dumont.
Quando aqui chegou, a cidade estava como que enlutada, com a falta de um estabelecimento de ensino. Ciente da fama de que sempre gozou Muzambinho, de terra culta, não podia permanecer apático. E a que fez ele? - Imediatamente, pôs se à frente de um pugilo de homens de boa vontade, e convocou uma reunião que se realizou numa das salas da Escola Paroquial "Frei Florentino
Do resultado daquela reunião que poderíamos chamá-la de memorável porque efetivamente a foi, - nasceu a idéia de se fundar um Ginásio, sob o orago de São José, nosso Padroeiro.
Lançada a semente, pelas mãos abençoadas do insigne Franciscano, esta foi cair num terreno fértil. Não durou muito para que os seus primeiros frutos crescessem, sazonassem, - graças a sua iniciativa e a.os esforços hercúleos do seu inconfundível sucessor Pe. Frei Querubim Breumelhof.
Saindo desta Paróquia, por os seus superiores necessitarem dos seus serviços em outros sectores, vai Frei Geraldo para Santos Dumont, onde funda um estabelecimento de ensino para o preparo de futuros levitas da Ordem Franciscana.
Em 1940 fr. Geraldo foi incumbido com a tarefa de fundar em Santos Dumont um colégio seráfico, o qual foi inaugurado em presença do Exmo. Sr. Bispo de Juiz de Fora Dom Justino de Santana, em 18 de fevereiro de 1941, em prédio provisório. Frei Geraldo arranjou os terrenos para o colégio e a planta foi aprovada.
O Diretor do jornal local "O Sol", Osvaldo Henrique Castelo Branco escreve este trecho bonito sobre a figura do primeiro diretor do Colégio Seráfico S. Antônio:
Não temos a mínima dúvida da missão divina de Frei Geraldo em Santos Dumont. Não sabemos por que a nossa cidade, como um presente do céu, deveria ser sede do Seminário menor da Província Franciscana de Minas Gerais. Esta missão coube a Frei Geraldo. Recebemo-lo, em companhia de Mário de Sá, na estação local.
Vinha ele como capelão do Sanatório, em substituição a Fr. Edmar. Estabelecidos os primeiros entendimentos acompanhamos-lhe de perto todas as iniciativas, em época sobremodo difícil, apesar da imensa boa vontade do então Prefeito Municipal Sr. Jaques Gabriel Pensardi, que como todos os que se aproximavam de Frei Geraldo desde logo dele se fez cativo. Frei Geraldo examinou detalhadamente todos os lugares possíveis para a construção do Seminário. Falava-se então do Ginásio. E quantas vezes nas nossas numerosas peregrinações ao morro do Sanatório, que escalávamos quase todas as tardes, em companhia de Mário de Sá, íamos os dois esmagados e absolutamente descrentes ante as dificuldades e já nos prevenindo para as desculpas do insucesso da missão do santo Frei Geraldo e o encontrávamos alegre, como sempre absolutamente tranqüilo, mas inabalavelmente convencido de que tudo ia muito bem... E dele ouvíamos, muitas vezes, que não necessitava de um milagre (quando para nós até um milagre era pouco) mas apenas da graça para que Santos Dumont tivesse a imensa ventura de ser a sede de um Seminário franciscano.
Fixada a sua preferência nos terrenos onde hoje se ergue o monumento arquitetônico do Seminário, que é atualmente a maior área coberta da cidade, apesar de ser de começo inteiramente impossível a aquisição por parte da Prefeitura que os devia doar à Ordem, Frei Geraldo de instinto divinatório do que seria ali de futuro o Seminário, não se abalou um minuto sequer ante os tropeços. E foi encaminhando as conversações enquanto as Irmãs de Caridade excursionavam freqüentemente ao João Gomes Velho, atirando ao chão com orações fervorosas, por todo o trajeto as pequenas medalhas de Nossa Senhora das Graças, em busca da graça que necessitava Frei Geraldo e que não se fez demorada. Tudo se encaminhou ao mais completo êxito, quando já estava funcionando o Seminário no prédio provisório onde se localiza hoje o Educandário Santa Teresinha.
Em março de 1942, por motivo de saúde, frei Geraldo foi exonerado de sua tarefa. Procurando clima de região mais baixa foi para Cascadura, daí mais tarde para a Colônia S. Isabel, onde se fez o Pe Damião do Brasil exercendo a cura d'almas entre os leprosos de 2 de junho de 1942 até a sua morte 25 de abril de 1948.
Quase seis anos ele entregou-se com corpo e alma à sua paróquia, que tem as suas dificuldades: Gente de todas as camadas da sociedade, ricos e pobres, funcionários e internados da Colônia e do Preventório, duas comunidades de freiras, as Irmandades do Apostolado e da Liga Católica com grande número de sócios, assistência religiosa nas enfermarias, todos os domingos trinar, a grande distância entre a casa paroquial e a matriz e capela do Preventório. (cfr S. Cruz 1943 pág. 91-97.)
A grande estima e veneração em que os paroquianos tinham o seu vigário ficou evidente por ocasião da grande homenagem que os internados e os funcionários lhe renderam quando em maio de 1947 frei Geraldo voltou à Colônia depois de seu tratamento no Hospital S. José. Júbilo geral, recepção entusiasta, lágrimas de gratidão e emoção. Deus dispôs de outra maneira. A melhora foi de pouco tempo. Agora frei Geraldo descansa no cemitério entre os seus paroquianos por ele ensinados a viver com resignação entre os sofrimentos e por ele preparados a morrer piedosamente.
Grande homem! Grande alma! Na sucessão intérmina de sofrimentos nunca teve uma palavra de aflição, um gesto de impaciência, um sinal que expressasse ausência de resignação, mas tão somente a mais completa e admirável entrega de todo o seu ser aos insondáveis desígnios da Providencia divina que, depois de o fazer sacerdote, o incumbiu das mais graves missões, fez dele o pastor amantíssimo dos eternos sofredores da Colônia de Sta. Isabel, pelos quais se encheu do mais santo amor para afinal dar-lhe o prêmio de se consumir entre, as dores imensas de câncer que durante mais de um ano, dia a dia, lhe foi minando o organismo, até a vitória final.
Frei Geraldo descanse em paz, a recompensa de sua vida deve ser profusamente rica no céu.
Por Frei Sabino Staphorst
Fonte: Revista dos Franciscanos da Província Santa Cruz, 1948, p. 47 a 52.