IN MEMORIAM
Após dolorosa e prolongada enfermidade, que o reteve no leito vários meses, faleceu no hospital S. Vicente de Paulo de Araçuaí, o Revdo. Irmão Ângelo da Silva, irmão leigo da Ordem Terceira Franciscana, no dia 6 de fevereiro p. p.
Irmão Ângelo, no Norte mais conhecido como frei Anjo, nome que o povo lhe deu, nasceu em Francisco Badaró (antigo Sucuriú), município de Minas Novas, a 8 de abril de 1885, filho de mãe índia e pai português. Criou-se no ambiente da roça do século passado. Aprendeu as primeiras letras em Lufa, fato excepcional para aqueles tempos, porque ainda agora grande parte do povo daquelas zonas é analfabeta.
Recebeu o hábito de terceiro em Araçuaí, a 6 de julho de 1924, das mãos do M. Revdo. Pe. frei Paulo, junto com mais um candidato. Frei Anjo ficou, enquanto que o outro logo desistiu. Recebeu como ofício: zelar pela igreja paroquial como sacristão, e guardar a casa e cuidar dela. Uma das suas ocupações prediletas era tratar das flores para a igreja.
Não quis nunca receber o hábito da Primeira Ordem, porque lhe era muito difícil sair do seu torrão natal. Residiu sempre na casa paroquial de Araçuaí, até que frei José de Haas, sagrado Bispo de Araçuaí, o levou, poucos meses depois de tomar posse, para o palácio episcopal. Dom José precisava de uma pessoa de confiança para guardar a casa durante suas ausências prolongadas, por motivo de visita pastoral. Naqueles primeiros tempos do governo de Dom frei José, não havia mesmo ninguém para tomar conta da casa. Frei Rogato, então vigário da paróquia e vigário geral da diocese, tratava do expediente da Cúria na casa paroquial, porque era muito incômodo subir cada dia o morro do Santuário.
Frei Anjo cuidava da casa do Bispo, e afastava os pobres quando o incomodavam demais. Às vezes, estes pobres, entre os quais havia.muitos exploradores, diziam a frei Anjo: "O senhor encontrou um padrinho como Dom José para se encostar, mas nós não "tem" ninguém Zelava frei Anjo pela igreja, tratava das plantas e flores, olhava o gado na fazenda "Juparaná", na beira do Araçuaí, e dava suas ordens. Era um verdadeiro chefe, que mandava nos outros, até no próprio Bispo, como alguns falaram com malícia, e fiscalizava o serviço. Curioso em querer saber tudo que acontecia, às vezes ultrapassava os limites da prudência, e espiava pelas janelas dos padres, para saber o que estavam fazendo, principalmente nos dias do retiro; ou então ficava perto dos outros, para escutar a conversa. Em certo sentido, era como que uma criança: sabendo alguma novidade, logo a transmitia aos seus melhores amigos, principalmente a Dom José.
Uns anos antes de sua morte, Dom José deu a frei Anjo um documento, para que pudesse receber uma certa quantia, pelos auxílios prestados. Após a morte de D. José, depois de perambular pelas casas de parentes e compadres, voltou ao convívio dos confrades na casa paroquial. Nos últimos meses manifestou-se a doença que o levaria à sepultura: câncer no estômago. Não sabia. Sempre se queixava dos intestinos e do fígado. No seu leito de dores, em suas crises, exclamava: "Dom José, me leva para junto do senhor
Faleceu calmamente na noite de 6 de fevereiro pp. À Missa solene de Réquiem e ao sepultamento, compareceram as autoridades religiosas e civis, estabelecimentos de ensino e centenas de amigos e admiradores. Seus restos mortais descansam no cemitério de Nossa Senhora do Rosário de Araçuaí.
Por Frei Wenceslau Nouwen
Fonte: Revista dos Franciscanos da Província Santa Cruz, 1960, p. 45-46.
