IN MEMORIAM
Frei Bertrando van Breukelen O.F.M.
Opera illorum sequuntur eos.
Não é por espontânea vontade, que escrevo estas linhas. Foi a pedido. Pois escrever necrologia é penoso. "Ipse (Dominus) agnoscit omnem operam hominis" (Eccli. 15, 20) Só Deus conhece os trabalhos todos do homem. A necrologia do homem é falhosa, em geral pessoalista e muitas vezes tendenciosa. Pode ser até restituitória. Nada disto me leva a elogiar a preciosa vida do irmão que foi à Eternidade.
Necrologia, como o termo mesmo diz, é preconiar uma vida. Não é uma mera narração de notícias relativas aos atos e qualidades de pessoas finadas. Não entram nela qualidades morais pejorativas, salvo aquelas naturais, que virtuosamente debeladas, exaltam o valor de quem Deus tenha na Sua Glória.
"De mortuis nil nisi bene
Se alguém quisesse ler por estas frases, fraquezas humanas do querido irmão pranteado, não prossiga sua leitura. Não possuo arquivo disto, quanto menos dele.
Não vivi familiarmente com Frei Bertrando. Não tenho experiência de pequenos atritos, tão humanos, que repetidos, tanto influem para diminuir à avaliação e opinião a respeito de grandes caracteres.
Escrevo a rogo. Não porque Frei Bertrando não merecesse uma bela necrologia. Justamente porque carece melhor. Não porque acho difícil. Dá-se com boa vontade o que se pode dar. Mas é o receio de não corresponder à realidade e ao mérito. O que vale, é que escrevo a convite. Portanto por conta de quem bateu na minha porta.
Nossos destinos, de Frei Bertrando e meus, foram bem paralelos.
Nossos contatos, fora dos de irmãos de hábito, foram de ideais idênticos. Ele, muito após mim, veio atrás de mim, passar por caminhos homólogos. Mas ele com mais vida, mais viçosidade, mais animação, e mais progresso para aperfeiçoar, o que forçosamente os mais idosos deixam atrás de si de acrisolável.
Toda criatura humana, por sua vida, ocupa um lugar no mosaico planetário, quiçá interplanetário, de Deus. Seus contornos circunstanciais são acompanhados por vales a encher e elevações a terraplenar. A Divina Providência agita as ondulações gasosas, líquidas e sólidas e não lhe escapam também as mais finas vibrações psíquicas. A Ele pertence harmonizar com o arquétipo divino com a defectibilidade humana.
Nós julgamos pela sombra, Deus pela luz.
Qual foi o lugar que Frei Bertrando ocupou, durante sua vida, no tempo e espaço que lhe foi dado por Deus?
Filho de ambiente de paz, longe da agitação turbulenta de grande cidade, descendente de pais muito religiosos, desde o berço acolhido dentro de esfera familiar franciscana, teve a graça de vir ao mundo em Woerden a 12 de novembro de 1909.
Desde cedo, como coroinha piedoso, assíduo e pontual, manifestou que Deus o estava chamando para seu altar.
Terminado o curso primário, com distinção, seus pais exemplares, atendendo sua insistente vontade, o matricularam nos seminários franciscanos de Baarlo e Sittard, que tantas e tão excelentes vocações formaram. Claro que ai a educação do Guilherme, assim se chamava pelo batismo, não sofreu nenhuma solução de continuidade.
Formado em humanidades, chegou a hora de escolher a Ordem à qual queria se dar. Não havia dúvida alguma que este franciscano, podia se dizer nato, Guilherme Francisco Maria, vacilasse em seguir o rumo, que já tomara há 19 anos. A 7 de setembro de 1928, em Bleierheide, nosso valente candidato, disse adeus ao mundo, vestiu o burel de São Francisco e escolheu como seu padroeiro, o Beato Bertrando Augier, homem distinto por sua religião, erudição, eloqüência e mais virtudes, Arcebispo de Salermo e Cardeal da Santa Igreja. Um ano depois no mesmo lugar, após noviciado completo, com satisfação unânime dos responsáveis, Bertrando emitiu seus votos simples e achou a porta aberta para iniciar seus estudos superiores, primeiro de filosofia, em Alverna, e depois de Sacra Teologia em Weert, onde, após ter feito sua profissão solene a 8 de setembro de 1932, correspondeu brilhantemente aos esforços dos seus preclaríssimos lentes desta faculdade multisecular.
Como coroa da sua carreira distinta S. Excia. Revmo. Dom Lemmens Bispo de Roermond a 31 de março de 1935 lhe impôs as mãos e lhe conferiu o sacramento do sacerdócio.
Completo o curso por alguns estudos pos-sacerdotais, a autoridade provincial satisfez aos seus desejos, persistentes desde que entrou no seminário menor, para exercer suas funções sacerdotais no Brasil. E cá veio no dia 14 de outubro 1935. Não era difícil colocar este neo-sacerdote no seu lugar. Eram notas suas qualidades pedagógicas e havia vaga no ginásio Santo Antônio de São João del Rei, onde chegou a 16 de outubro de 1935 e ficaria até 11 de dezembro de 1949. Rapidamente se familiarizou com nosso idioma. Suas preclaras qualidades e seu talento para o magistério não tardaram para aparecer. Não passaram 4 anos de tirocínio, quando as autoridades da Ordem lhe confiaram o cargo mais importante de educandário secundário, o de prefeito de disciplina, que exerceu durante quatro anos até 1943, quando foi nomeado diretor do mesmo estabelecimento de ensino.
Não é o infra-scrito que precisa falar e elogiar a ação benéfica de Frei Bertrando em São João. Seu nome está na praça pública, nas bocas de centenas de formados, ex-alunos seus, que guardam a admiração por ele.
Luzes como esta, não podiam ficar postas debaixo do alqueire mas sobre o candeeiro. Não que São João não fosse candeeiro, Belo Horizonte é candeeiro mais alto.
A transferência do científico para Belo Horizonte exigiu Frei Bertrando, como fundador e primeiro diretor, do "Colégio Santo Antônio" aí. De 11 de dezembro de 1949 até 25 de março de 1959, quase 10 anos, são milhares de amizades, relações cívicas, religiosas e fraternais, que estão vivas e tão cedo não morrerão, para testemunhar e atestar o valor profano e sagrado de Frei Bertrando. Era um professor e educador nato, formado pelas melhores escolas: do berço, da infância dos seminários menor e maior, da experiência e da sua biblioteca, que tratava como a menina dos seus olhos. Gostava de bons livros, gostava de ler e de trocar idéias com as mais autorizadas mentalidades. O contato com seus alunos era de passar sua alma para eles e de eles abrirem sua alma com ele. Suas aulas eram não somente nas salas de aula mas por toda parte onde pudesse haver transfusão e assimilação mútua de saber e querer. Era um perfeito substituto dos pais dos alunos. Compreendia os pais. Entre eles e ele havia um verdadeiro nexo de paternidade. Frei Bertrando era um educador e formador de caracteres. Detestava servidores de olhos, fingidos, ególatras e hipócritas.
Estudava seus alunos, acompanhava-os nas fases difíceis da juventude, e embora enérgico e intransigente, qualidades que nem sempre são bem aceitas, era estimado por eles por sua justiça, querido e respeitado. Afinal, possuidor de todas estas prerrogativas, devia, como era, ser ótimo superior para seus subalternos e particularmente seus súditos confrades, a quem servia em todas as necessidades e conveniências, especialmente quando doentes, conforme a regra que professara. Foi este o motivo e mais sua competência, porque os confrades o escolheram para ser seu representante no conselho provincial. Por um voto seria seu provincial
Esta grande alma jamais morou em corpo de saúde e de função perfeita. Não obstante a lesão cardíaca, que minava sua preciosa existência junto com o diabete, que, de combinação, causaram as embolias, a última coronária e fatal, Frei Bertrando aproveitou o prazo, relativamente curto, que Deus lhe concedeu, para realizar tanto neste mundo. Os grandes homens prestam serviços intensivamente grandes, que quantitativamente produzem depois.
Suas obras o sobrevivem, também na terra, e durante muitos anos serão eficientes. Sua memória estará viva longos anos pelo bem que deixou, cheio de fertilidade para se multiplicar.
A Ordem e especialmente a Província Franciscana da Santa Cruz, perdeu um dos seus mais representativos elementos, valor fora do comum, geral e profundamente sentido.
A gratidão e a estima de inúmeros beneficiados por Frei Bertrando, sem dúvida não se esquecerão por sufrágios para sua alma.
Deus o tenha na Sua Glória.
O nosso confrade frei Bertrando nasceu em Woerden (Holanda) aos doze de novembro de 1909. Fez o curso de humanidades no colégio Baarlo (depois Sittard). Aos sete de setembro de 1928 entrou no noviciado no convento de Bleierheide, emitindo votos solenes na Ordem aos 8 de setembro de 1932 no convento de Alverna. Em Weert recebeu das mãos de S. Excia. Revmo. Mons. Lemmens a ordenação sacerdotal no dia 31 de março de 1935, sendo que no mesmo ano veio ao Brasil, onde chegou no dia 14 de outubro.
Já dois dias depois chegou em nosso ginásio Sto. Antônio de S. João del Rei, onde permaneceu até o fim do ano de 1949, primeiro como professor, depois como prefeito de disciplina, e a partir de 1943 diretor do colégio. Aos 11 de dezembro de 1949 transferiu-se para Belo Horizonte, para tomar á direção do novo colégio Santo Antônio na Rua Pernambuco, encarregando-se também com as obras da construção deste colégio.
No Capítulo Provincial celebrado em fevereiro de 1956 foi eleito Definidor Provincial, e reeleito na Congregação Provincial de dezembro de 1958. Veio a falecer no convento da Rua Pernambuco em Belo Horizonte aos 25 de março de 1959, e sepultado no dia seguinte, em Divinópolis, no cemitério do convento.
Por Frei Zacarias van der Hoeven
Fonte: Revista dos Franciscanos da Província Santa Cruz, 1959, p. 54 a 57.