IN MEMORIAM
Novamente o nosso Commissariado sofreu um golpe sensível porque Deus nos tirou o nosso querido e venerado Frei Cândido. Da sua doença em Divinópolis já demos aqui rápida notícia. Tendo alcançado algumas melhoras, resolveu. Ir ao Rio para se tratar passando por São João del Rei. A 5 de agosto chegou a Cascadura e dois dias depois foi internado na Casa de Saúde S. José, onde ficou em observação até 24, quando voltou para Cascadura, sem ter sido resolvido o problema: fazer ou não fazer operação. A dois de outubro viu se obrigado a voltar, para a casa de saúde São José, onde a 19 do mesmo mês foi operado.
"Demos agora a palavra a Frei Julio que assim se exprime em carta dirigida ao Revmo. Padre Commissario":
Depois de operado a 19 de outubro de ulcera penetrante no estomago, passava Frei Cândido relativamente bem, apesar de sofrer muito e ter contínuos soluços. Sentia algum alivio esvasiandose-lhe o estomago por meio de uma bomba. Continuando os soluços e não ficando do alimento, que naturalmente já era pouco, nada no estomago pelos repetidos vômitos, foi no dia 29 seu estomago novamente radiographado, pelo que se verificou que a sahida do estomago - pyloro - não funcionava absolutamente. Resolveu-se fazer nova operação. Como o coração era fraco, era preciso fazer transfusão de sangue. No dia 30 o médico por intermédio de Frei Odulpho me perguntou si algum dos Padres moços queria ceder um pouco do seu sangue. Frei Odulpho e Frei Clemenciano - os dois que naquella hora estavam com Frei Cândido - na opinião do medico não serviam. Frei Rodrigo se poz logo, prompto e fui com elIe á casa de saúde, mas quando chegamos, já estava sendo feita a transfusão de um robusto bombeiro moço de quem se tirou 300 grammas de sangue. Logo depois avisei a Frei Cândido que estava em perigo de morte, porque alguns dias antes tinha pedido explicitamente que assim fizesse. Deixei Absolvição, a Extrema Uncção e a Benção Apostólica, e renovei com el1e os nossos santos votos. Frei Clemenciano e Frei Rodrigo estavam presentes. Frei Cândido estava completamente tranqüilo e conformado com a vontade de Deus. Uma hora depois começou a operação. Frei Cândido se lembrava das dores da primeira operação e por isso pediu que fosse desde o princípio completamente anesthesiado com ether, o que foi feito. Assisti à operação, Frei Clemenciano e Frei Rodrigo foram rezar na capella. A operação se fez rapidamente, não levou uma hora O Dr. Gouveia me disse que tinha dado uma nova saída ao estomago. "Está nas mãos de Deus", accrescentou, várias vezes, querendo dizer assim que tinha feito o possível, mas duvidava muito do bom resultado. Eram duas horas da tarde. Resolveu-se que Frei Rodrigo havia de ficar com o doente
Segue-se agora um trecho de uma carta de Frei Odulpho: "A' noite Frei Cândido ainda estava na mesma posição, com os olhos semi-cerrados, olhando para cima, pouco ou nada reagindo sobre o que acontecia em redor. Frei Rodrigo passou a noite à sua ca- beceira. Durante a noite toda foram-lhe dadas injeções. De vez em quando se lhe dirigia uma pergunta e então elle respondia. Para animá-lo um pouco, Frei Rodrigo lhe disse: Daqui a pouco poderá tomar um mingaozinho, ao que elle respondeu: Mingao é muito bom. Ás duas horas da madrugada ficou pior. Vieram duas irmãs para assisti-lo e parecia que o desenlace estava próximo. O pulso enfraquecia muito. Pelas quatro horas melhorou um pouco e então - characteristico de Frei Cândido - pediu a Santa Communhão. Perguntou-se-lhe se podia engolir, respondeu que sim. Experimentaram com água, e engoliu bem. Então Frei Rodrigo lhe deu a S. Communhão e depois ficou calmo durante muito tempo. Ao amanhecer deve ter padecido muito, porque mexia com os braços e pegava nas ataduras. Pelas 8 horas Frei Rodrigo foi celebrar missa e foi substituído por mim. Frei Cândido então estava muito sossegado. Pouco depois começou a dar uns gemidos. Agora elle vai morrer, disse a irmã. Vomitou. E depois começou a agonia, que foi muito branda. Somente de vez em quando a respiração era penosa. As 9 menos 15 começavam a apparecer manhas azuis no rosto. Eu e Frei Rodrigo começamos as orações dos moribundos. A respiração se tornava cada vez mais lenta e fraca; mal se percebia. Logo depois a irmã se retirou. Frei Rodrigo disse: elle morreu. Eu não tinha percebido nada. A Irmã voltando, confirmou que Frei Cândido tinha morrido antes de ella sair. Assim passou, calmo e confiante, para a eternidade. No mesmo dia foram celebrada três S. Missas por sua intenção - vivo ou morto, os celebrantes não o sabiam. De fato já estava morto.
Agora algumas notícias do enterro, da carta de Frei Julio. O corpo foi transferido da casa de saúde até Cascadura, aonde chegou às 2 hs. da tarde. No dia seguinte, 1º de novembro, foi celebrada a Missa exequial ás 9 horas e depois rezadas as Laudes dos Defuntos, seguidas da encomendação e do enterro, que se effectuou no cemitério municipal de Jacarepaguá. Sua sepultura tem o nº 3704 do quadro 18 de adultos.
Assistiram ao enterro Frei Julio, Adolpho, Flaviano, Alfredo, Sophonias, Odulpho, Joaquim, Rodrigo, Clemenciano e Frei Saturnino Schneider, representante do Convento S. Antonio. De ex-são joannenses, moradores no Rio, estavam presentes Dr. Augusto Viegas, Deputado Federal, Dr. Odilon de Andrade, ex-Presidente da Câmara de São João del Rei, Alberto e Waldemar Menezes, Capitão Alvarenga, Lalá, empregado do Banco Mercantil, e Benedicto Freire. O Dr. Augusto Viegas em nome da cidade de São João del Rei, pronunciou um belo e tocante discurso. Os nossos Padres moços executaram os cantos do ritual.
Falleceu no Rio de janeiro este benemérito membro da Ordem Franciscana. Depois de trabalhar por alguns annos em sua terra natal na acção social, na imprensa e como pregador de missões populares, foi um dos primeiros franciscanos que vieram para o Brasil fundar o Commissariado de Nossa Senhora da Immaculada Conceição em Minas Geraes.
Aqui, o theatro principal das suas actividades foi a cidade de S. João del Rei, onde, como amigo leal e collaborador estrenuo do fallecido mons. Gustavo Ernesto Coelho, trabalhou por 20 annos na cura de almas. Se hoje em dia São João del Rei é, talvez, a cidade mais sincera e praticamente catholica de Minas, deve-o muitíssimo aos esforços abnegados de Frei Cândido. Também era Frei Cândido, numa época em que a importância da acção social não era geralmente bem compreendida, um apóstolo e pioneiro nesse terreno. Em união e collaboração estreita com os RR. PP. Redemptoristas de Bello Horizonte e o fallecido Dr. Campos do Amaral fundou a Acção Catholica, cuja influencia não se limitava a Minas Gerais. Antes já tinha fundado em São João del Rei uma União Operaria, a Juventude Catholica, um Club Theatral, um grande salão para as reuniões das varias associações, o Albergue dos Pobres, que durante annos foi a menina dos seus olhos e para o qual pessoalmente angariava os necessários recursos, o Lyceu de Artes e Officios, e na mesma cidade fundou o hebdomadário "Acção Social Infelizmente não foi compreendido e das obras sociaes delle só se salvou o Albergue, actualmente entregue á Congregação das Irmãs Carmelitas e cuja capella está servindo de matriz provisória para a segunda parochia de São João del Rei.
Frei Cândido nasceu em Haya, na Hollanda, a 27 de outubro de 1868, foi ordenado a 10 de março de 1894, veio para o Brasil em 1904, passou alguns meses em Ouro Preto, morou em São João del Rei de 1904 até 1925, foi de 1925 até 1931, zeloso capellão do Hospital Nossa Senhora das Dores em Cascadura, de 1931 até 1934, Guardião do convento de Taquary, no Rio Grande do Sul, de 1934 até 1937, Vice-Commissario e Guardião do convento de Divinópolis, trabalhando nestes três últimos annos muito na freguesia, então vaga, de Santo Antonio do Monte, Bispado de Aterrado.
Fonte: Revista dos Franciscanos da Província Santa Cruz, 1937, p. 180 a 184
