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Franciscano/a

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    Identificador:
    11533
    Nome:
    Fr. Paulo Stein, OFM (Wilhelmus Fredericus Gerardus Maria Stein)
    Sexo:
    Data de nascimento:
    16/02/1876
    Data de falecimento:
    10/06/1960
    Lugar de nascimento: Grave, NL
    Lugar de falecimento: Taquari, RS
    Estado eclesiástico:
    Notas Biográficas:

    IN MEMORIAM

     

    Na noite de 9 para 10 de junho do ano em curso, faleceu no Hospital S. José em Taquari, na idade de 84 anos, o Revmo. P. frei Paulo Stein que, com um intervalo de três anos (de 1934 a 1937), desde março de 1923 até a sua morte, viveu e trabalhou no Comissariado, depois Província da Santa Cruz. A notícia deste falecimento decerto terá evocado nos confrades que conheceram frei Paulo como lente de teologia e direito canônico, como Comissário ou superior local, muitas recordações.

    De 3 de abril até 27 de setembro de 1922 visitou o então Ministro Provincial da Holanda, Frei Simão Bennenbroek, o Comissariado que a Província neerlandesa mantinha no Brasil. Desde que os fundadores do Comissariado, os padres frei Rogério Burgers e frei Frederico Voorvelt, aos 7 de maio de 1900, chegaram ao Brasil, foi essa a primeira vez que o Comissariado era visitado por um Ministro da Província - mãe. Foi portanto essa primeira visita considerada e sentida como uma coisa extraordinária, e a lembrança dela ficou por muitos anos ainda bem viva entre os confrades que a haviam experimentado e cujo número no momento está reduzido a nove apenas. Uma das conseqüências da visita foi que, no Capítulo celebrado em Weert em 1922, não muito tempo depois da volta do Revmo. Frei Simão à Holanda, o Revmo. Pe. Ex-Provincial frei Paulo Stein foi nomeado Comissário provincial do nosso Comissariado.

    Posto que grande parte dos confrades devam lembrar-se ainda da biografia que frei Respício publicou em "Santa Cruz", ano de1943, (págs. 146-149), parece-nos conveniente repetir aqui os dados, principalmente para os muitos confrades que depois de 1943 entraram na Província, daí para cá triplicada em número de frades.

    Wilhelmus Fredericus Gerhardus Maria Stein nasceu em Grave, Holanda, a 16 de fevereiro de 1876, mas aí não residiu muito tempo, pois seu pai em breve tornou-se professor de Matemática no colégio de Maastricht. Já com 7 anos de idade perdeu o pai, que morreu repentinamente, de um ataque. Poucos anos depois, quando tinha apenas 12 anos, perdeu também a mãe, o que muito sentiu. Um tio dele, vigário da paróquia de Vlaardingen, tomou então sobre si a ulterior educação de Guilherme, que foi colocado no afamado internato "Saint Louis", dos Irmãos de Oudenbosch. Nesta escola aprendeu a falar correntemente francês, o que lhe foi de proveito a vida inteira. Frei Paulo fez os estudos ginasiais no Seminário Seráfico de Venray. Seu irmão mais velho, João, entrou na Companhia de Jesus e ganhou mais tarde renome mundial como Diretor do Observatório Astronômico do Vaticano, em Castel Gandolfo. Outro irmão, leigo, ficou reitor do Liceu em Utrecht, e uma irmã se tornou Ursulina, dedicando-se também ao ensino e à educação da mocidade católica. Guilherme mesmo entrou com 17 anos de idade para o noviciado dos franciscanos em Alverna-Wychen, onde recebeu o hábito aos 3 de outubro de 1893. No dia 2 de março de 1900 foi ordenado sacerdote em Weert.

    No mês de setembro do mesmo ano começou frei Paulo, no "Antonianum" em Roma, o estudo do Direito Canônico, que, durante todo o resto de sua vida, seria a sua matéria preferida. A 14 de julho de 1902 obteve o título de "lector generalis iuris canonici

    De volta à pátria, frei Paulo primeiro ficou como professor do Seminário Seráfico de Megen, onde devia dar latim ao primeiro ano. O homem que mais tarde, como lente de Direito Canônico, sobressaía em prestígio e autoridade, não tinha jeito de lidar com a gurizada travessa e turbulenta do ginásio megense. Em 1903 foi nomeado lente de teologia fundamental no convento de Maastricht. No ano seguinte, afinal, foi encarregado de lecionar a sua própria matéria, Direito Canônico, no Convento de Weert. Ensinou essa matéria desde 1904 até a sua eleição a ministro provincial, no Capítulo de 1916.

    Como lente em Weert gozou de confiança e estima de seus alunos, e então, como em toda a sua vida depois, era consultado por seus superiores, confrades, vigários e outros, em questões de Direito Canônico. As suas aulas sempre eram bem preparadas e as explicações claras como cristal; de sorte que, quando os clérigos saíam da aula, sabiam exatamente o cerne das questões e a que precisamente deviam ater-se na vida prática. Conhecido era o humor lacônico com que sabia temperar essa matéria árida.

    Durante esse período de doze anos de seu professorado em Weert, publicou os seguintes tratados de Direito Canônico:

    Tertius Ordo Franciscalis. Disquisitio canonica de ejus natura, regimine, privilegiis. Accedunt documenta ad Tertium Ordinem spectantia, Amsterdam 1914. Apareceu uma segunda edição, em Woerden, no ano de 1923. Mas em rigor, era uma terceira edição; pois em 1922 frei Paulo já publicara, a instâncias do então Ministro Geral frei Bernardino Klumper, uma nova edição nas colunas da revista oficial "Acta Ordinis" (ano XLI, pág. 52 e segs.), da qual apareceram também alguns exemplares separados. Desta obra foi publicada também uma tradução alemã, e outra francesa.

    Tractatus de Indulgentiis lucrandis, Heythuysen 1912. Uma segunda edição, "recognita et novissimis decretis accommodata", saiu a lume no ano seguinte, em Woerden.

    Tractatus de locis et bonis ecclesiasticis (pro manuscripto), Gulpen 1915.

    Tractatus de iure publico Ecclesiae (pro manuscripto), Woerden 1910.

    Institutiones iuris canonici. Pars I. Introductio in ius canonicum. Pars II. Ius publicum Ecclesiae (pro manuscripto), Gulpen 1916. A segunda parte é nova edição do livro anterior.

    Nestes tratados, os entendidos louvaram não somente a competência jurídica do autor e a clareza da exposição, como também a boa latinidade.

    Na revista mensal holandesa para Diretores da Ordem Terceira, frei Paulo sempre tratava dos aspectos jurídicos da Ordem Terceira, e desde 1914 era diretor da mesma revista. Além disso, escreveu, nas revistas "Sint Franciscus" e Sint Antonius", alguns artigos sobre o Brasil, que revelavam ao mesmo tempo os seus talentos literários e a sua delicadeza de sentimentos. Publicou ainda um estudo importante sobre o Concílio Vaticano e o Direito Canônico, na revista "De Katholiek", ano de 1920, vol. 158.

    O Capítulo de 1916 elegeu frei Paulo para Ministro Provincial, como já foi dito acima, e no Capítulo seguinte de 1919 foi eleito Custódio. Como tal, retomou as suas aulas de Direito Canônico, e também de teologia moral, no convento de Bleijerheide, até que foi, no Capítulo de 1922, nomeado Comissário Provincial do então Comissariado de Minas. Antes, ficara encarregado do governo da Província, substituindo ao Provincial frei Simão, que estava fazendo a visita canônica do Brasil.

    Naquele tempo preparava-se a fundação da Universidade Católica de Nimega; começava-se já a reunir os elementos que haviam de constituir o corpo docente das três faculdades com que a universidade iria estrear. A frei Paulo, que também. fora do âmbito da Ordem tinha fama de bom canonista, foi oferecida a cátedra de Direito Canônico. Frei Paulo, porém, já designado para o Brasil, não aceitou: preferia trabalhar no Brasil a ser catedrático, e achava que haviam de encontrar candidato melhor.

    A respeito do governo de frei Paulo como Ministro da grande Província neerlandesa, que decerto teve um cunho de "extraordinário", seguramente escrever-se-á em "Neerlandia Seraphica", e dar-se-á uma apreciação mais competente do que nós podemos fazer. Somente queremos mais uma vez consignar o que o Provincial, frei Simão Bennenbroek, a este respeito disse no discurso que fez na hora da despedida de frei Paulo para o Brasil. Agradecendo-lhe e elogiando-lhe o governo da Província, em que realizara e solucionara tantas coisas importantes e difíceis, afirmou que ele mesmo não teria tido a ciência e a energia necessária, para realizações de tanto alcance.

    Em fevereiro de 1923 o novo Comissário embarcou para o Brasil, chegando ao Rio no dia 12 de março. Junto com ele vieram os padres frei Simeão, destinado ao convento de São João del Rei, frei Pacômio e frei Osmundo. Esses dois foram primeiro para Ouro Preto. Depois frei Pacômio foi lecionar teologia moral no seminário diocesano de Arassuai, enquanto que frei Osmundo foi nomeado para São João. Frei Paulo foi logo fixar residência no convento de São João del Rei, do qual fora nomeado praeses (1). Ao Comissariado pertenciam então uns 42 padres e 9 irmãos; não havia ainda clérigos. Para a maior parte deles frei Paulo era uma figura bem conhecida, pois muitos o tinham tido como lente de Direito Canônico, e vários como Provincial. Sabiam que o novo Comissário era uma personalidade forte, religioso consciencioso e homem de caráter, que não pactuava quando se tratava de princípios, de deveres religiosos e sacerdotais.

    Os primeiros anos, em São João del Rei, não foram sem dificuldades. Como frei Paulo mesmo confidenciou mais tarde a um confrade, tinha sido em grande parte causa disso, o modo como, antes de vir para o Brasil, o novo Comissário fora informado a respeito de pessoas e situações no Comissariado. "Se, acrescentou então, tivesse de começar de novo, fá-lo-ia de jeito completamente diferente Logo no princípio já teve que resolver uma questão delicada que surgira então no hospício da Terra Santa em Salvador (Bahia), que pertencia à alçada do novo Comissário. Posto que os seus conhecimentos da língua portuguesa fossem ainda muito escassos, sem embargo frei Paulo não demorou em tomar o trem para o Rio e daí embarcar rumo à Bahia, dando ao caso a solução categórica que pedia.

    Questão importante que teve de resolver também, era a fundação de um seminário seráfico. Em conseqüência da sua visita canônica ao Comissariado, o Pe. Provincial frei Simão resolvera que quanto antes fosse fundado um colégio para a formação de franciscanos brasileiros. O novo Comissário frei Paulo foi incumbido de realizar esse empreendimento, e começou imediatamente a tomar as providências necessárias. Queixou-se, sim, de encontrar pouco entusiasmo ou até resistência por parte dos padres de S. João, mas homem de dever que era, fundou assim mesmo o colégio. Aliás, essa resistência não se dirigia contra a fundação de um seminário seráfico como tal, que todos consideravam mesmo necessária, mas contra o lugar escolhido, ou seja, em S. João mesmo, ao lado do próprio ginásio. Em janeiro de 1924, o seminário começou a funcionar no prédio que em fins de 1918 se comprara de Olímpio Reis,e onde funcionava o curso elementar, bem como no porão da casa, antes aproveitada para a tipografia da "Ação Social Frei Osmundo foi nomeado prefeito; professores do ginásio ajudavam com aulas etc.

    Naquela época nos foi oferecida a paróquia de Divinópolis. Frei Paulo aceitou e pensou logo em transferir para lá o seminário seráfico de São João. Para esse fim adquiriu da prefeitura de Divinópolis um terreno. Frei Hilário Verheij foi nomeado vigário da paróquia, e - coisa interessante - o irmão frei Ladislau Bax, que residia em S. João e era carpinteiro muito competente, foi incumbido de desenhar a planta do colégio e, depois, de executá-la. Isto era em 1924. Frei Ladislau foi a Divinópolis e começou a construção do casarão estupendo que todos conhecemos: com os porões abobadados e meio subterrâneos, a exemplo do convento de Alverna, Holanda, e com as famigeradas escadas, que pareciam mais poleiro para galinhas do que escada para gente e que, mais tarde, haviam de inspirar verdadeiro horror a Dom Antônio dos Santos Cabral, quando anualmente vinha a Divinópolis para conferir as sagradas Ordens, tendo o seu quarto no segundo andar. O edifício ficou pronto em 1926.

    Foi no dia 20 de janeiro de 1925 que se transferiu o seminário seráfico para Divinópolis e se instalou provisoriamente num edifício situado no largo da ma.triz e que serve atualmente de grupo escolar. Desde aquele tempo até 1934 Frei Paulo residiu em Divinópolis como Comissário provincial, pois nos capítulos de 1925, 1928 e 1931 foi reeleito para esse cargo; até 1931 era também Reitor do Colégio Seráfico,e dava aulas de latim.

    A sua estada em Divinópolis era muitas vezes interrompida por viagens que devia fazer para tratar dos interesses do Comissariado, e pelas visitas canônicas, que cada ano tinha que fazer, de todas as casas. Os que conhecem Minas e o Rio Grande do Sul só de uns vinte anos para cá, apenas poderão imaginar quão penosas eram muitas dessas viagens, que, em grande parte, principalmente no Norte de Minas, deviam ser feitas no lombo do burro. Essas viagens, às vezes de dias a fio, deviam ser para frei Paulo, que era de corpo pesado e não brilhava como cavaleiro, muito difíceis. Mas não esmorecia; troteava no duro por gerais e matas, considerando tais asperezas como inerentes ao seu cargo. Mas uma vez escreveu a frei Querubim, então vigário de S. Miguel do Jequitinhonha, que depois da viagem a cavalo que duma arrancada fizera de S. Miguel a Urucú, se sentia bastante cansado. A respeito de frei Paulo como cavaleiro escreve um confrade que muitos anos trabalhou no Norte,o seguinte:

    "Quando frei Paulo, em suas viagens de visita canônica pelo Norte, devia andar a cavalo, fazia-o sempre de tal modo que a infração à Regra franciscana ficasse reduzida à expressão mínima. Montava vestido de hábito, cingindo o cordão e posto o capuz, aparecendo essa última peça bem visível sobre o guarda-pó, o que em si, num caminho aberto, vai muito bem, mas que na mata podia trazer o perigo de a gente ficar presa em qualquer parte. Sem dúvida não traria botinas se achasse um jeito de amarrar esporas nas sandálias. Uma vez sentado no lombo do burro, frei Paulo ora deixava o hábito pender solto, ora arregaçava a parte de baixo, fazendo de tudo isso um grosso nó diante da barriga.

    Em 1927, com a idade de 51 anos, empreendeu assim uma viagem a Jequitinhonha, o "posto missionário mais avançado do Comissariado", situado a 34 léguas da estrada Bahia-Minas, e a 30 léguas de Arassuaí. Viajou de trem até a estação Presidente Pena, onde um portador o esperava. Pavão foi a primeira etapa: marcha de sete léguas. Não foi café pequeno. Talvez sem ter comido nada, jogou-se à noite cansadíssimo sobre a cama, tal como estava, com guarda-pó, botas, esporas e tudo. Esperava descansar bem uma longa noite, não contando, entretanto, com o triste fato de que trazia na roupa milhares de carrapatos, aos quais deixara toda a liberdade. Em breve seu corpo começou a arder como fogo, e com a fricção a coceira e o ardor ainda aumentavam. Como um desesperado chegou a Joaíma e provavelmente, com seu assento todo machucado e dorido, não teria alcançado Jequitinhonha, não tivesse frei Querubim tido a idéia de ir buscá-lo de automóvel. Morto de cansaço como estava, claro é que o hóspede não entrou em nossa casa desfazendo-se em sorrisos.

    Não somente desta vez, mas em geral, viajar a cavalo deve ter sido um martírio para frei Paulo. Quando, em viagem, precisava de fazer alguma necessidade, primeiro o sacristão tratava de encontrar um barranco bastante alto para que seu mestre aí pudesse apear do burro e depois trepar outra vez nele. Estando assim os dois ocupados nesses labores, seguramente não trocavam muitas palavras.

    Quando frei Paulo andava na frente, a viagem não rendia e o sacristão lá vinha sacolejando atrás, a dormir sobre o burro. Era este intimado por seu mestre a ir na frente e marcar a marcha, então a coisa ia depressa demais, achava o frei Paulo, e o chamava de volta, encarecendo-lhe que andasse um pouco mais devagar. "Que bola de sabão, aquele padre!" exclamou certa vez tal tipo de portador, quando interrogado sobre as peripécias de sua viagem com frei Paulo.

    Considerando as dificuldades que frei Paulo geralmente experimentava em suas viagens pelas imensidades do Norte, não podemos recusar-lhe nossa admiração como cavaleiro, pois quanto não tinha que agüentar! E mesmo assim fez em certa ocasião uma viagem a cavalo de Arassuaí a Diamantina, uma distância de cinqüenta léguas !!" Até aqui o confrade do norte.

    Sua solicitude como comissário dirigia-se principalmente a que a vida regular franciscana fosse observada, também nas pequenas residências, enquanto era possível. Daí que sentia a falta de ordenações apropriadas às circunstâncias especiais do Comissariado para o qual as da Província-mãe não serviam bem e por isso em grande parte não eram observadas. Assim cuidou que fosse introduzido no Comissariado um "Usuale" especial, e compôs com os seus conselheiros um esquema, que obteve a aprovação definitiva em abril de 1928. Esse Usuale tinha entre os confrades o nome de "livrinho azul" ('t blauwe boekje'), devido à cor da capa. Quanto ao movimento paroquial, obras paroquiais e de ensino, frei Paulo não mostrava muito interesse direto; talvez também porque nunca tivesse trabalhado na cura de almas. Sem embargo, ajudava de vez em quando, pregando ou ouvindo confissões, como mais tarde em Abaeté.

    Grande zelo mostrava pelas vocações franciscanas, que eram sua preocupação contínua. Nas suas viagens de visita canônica muitas vezes trazia um ou outro candidato para o colégio seráfico. Certa vez trouxe do Norte de Minas um pequeno candidato, ambos viajando a cavalo, quatorze dias a fio, até Diamantina, onde embarcaram no trem para Belo Horizonte e Divinópolis: era o frei Osório. E, quando mais tarde visitava os confrades no Rio Grande do Sul, voltava sempre com alguns rapazinhos para o colégio seráfico. Mas não estava satisfeito com o andamento do seminário quanto ao número das vocações e à sua perseverança: entravam poucos, ficavam pouquíssimos. Chegou a convencer-se de que em Minas não se podiam encontrar muitas vocações e começou a volver o olhar esperançoso para o Rio Grande do Sul, onde ouvira abundarem boas vocações. Isto era certamente um fato indiscutível. Quanto à primeira parte, relativa a Minas, parece que estava equivocado, generalizando; em Minas se podem encontrar muitas e boas vocações procurando-as nas regiões próprias, o que prova o fato de várias dioceses gozarem de abundantes vocações sacerdotais.

    Uma vez convencido de que, para o futuro do Comissariado, tinha de procurar vocações no Sul, não hesitou: combinou com a Província da Imaculada Conceição, que tinha umas casas pequenas na diocese de Santa Maria, para que o nosso Comissariado pudesse estabelecer-se na diocese de Porto Alegre e, fora engano, já então também na de Pelotas. A 12 de abril de 1926 embarcou frei Paulo rumo a Porto Alegre, junto com frei Júlio, para examinar a possibilidade de fazer uma fundação no Rio Grande, com o fito principal de recrutar vocações. Foram apresentar o seu pedido ao Exmo. Sr. Arcebispo, Dom João Becker, que os recebeu com benevolência e lhes indicou vários lugares, entre os quais podiam fazer sua escolha, para a fundação de uma casa da Ordem. Frei Paulo, que absolutamente não conhecia o Rio Grande, teve a boa idéia de sondar junto aos padres Jesuítas, a respeito de lugares ou paróquias que servissem para o fim indicado. Eles durante muitos anos haviam administrado a extensíssima paróquia de Lajeado e sugeriram uma fundação naquela paróquia como muito apropriada. Assim foi escolhida a Vila de Bela Vista do Fão; era ainda capela da paróquia de Lajeado, mas no seu território em breve deveria ser criada uma paróquia, cuja administração seria confiada a nossos padres. Quão feliz tem sido essa escolha, comprovaram-no os eventos: das quatro paróquias que sucessivamente foram criadas nesse território, e que são todas administradas por nossos padres, já saíram vários franciscanos, enquanto muitos outros estão se preparando.

    De janeiro a abril de 1929 frei Paulo fez a visita canônica da Província de Santo Antônio. Em abril chegou também ao Rio o Revmo. Pe. Provincial frei Regalatus Hazebroek, que visitou o Comissariado até agosto. Tratou-se com o Pe. Provincial da questão do colégio seráfico em Divinópolis, onde já entraram vários meninos vindos do Rio Grande do Sul. Considerando-se que mandar meninos do Rio Grande para a longínqua Divinópolis acarretava muitas dificuldades e despesas, foi resolvido procurar fundar um colégio no próprio Estado do Rio Grande. Terminada a visita das casas de Minas, o Revmo. Pe. Provincial viajou junto com frei Paulo a Porto Alegre e no dia 20 de julho pediram a Dom João Becker licença para fundar um seminário seráfico na Arquidiocese, de preferência perto de Porto Alegre, para que futuramente os padres do colégio mais facilmente pudessem exercer o seu ministério espiritual. Dom João ofereceu a paróquia de Belém Novo e o Pe. Edmundo Rambo, vigário de Taquari, conduziu os dois padres para lá. Belém Novo, porém, pareceu um lugar totalmente impróprio para a fundação de um colégio. Então o Pe. Rambo sugeriu que os dois fossem visitar Taquari, o que fizeram. O lugar agradou e em outra audiência pediram ao Sr. Arcebispo licença para ali fundar o colégio, visto que Belém Novo não servia para esse fim. Dom João, porém, propôs outros lugares, menos aptos, mas os dois padres insistiam em Taquari. Afinal, graças principalmente à intercessão de vários próceres de Taquari, que queriam o colégio para a sua cidade, e sobretudo do Dr. Adroaldo Mesquita da Costa, Dom João deu o placet. Os dois padres entretanto já tinham voltado para o Rio e lá receberam a feliz notícia. Frei Paulo encarregou ao Irmão frei Matias Teunissen de elaborar a planta do colégio, e em fevereiro de 1930 o levou consigo para Taquari, onde começou a construção. Pouco mais tarde veio também frei Hilário Broekhuijse.

    Algum tempo depois, um grupo de católicos de Cruz Alta resolveu fundar na sua cidade um ginásio católico. A direção foi oferecida ao nosso Comissariado e frei Paulo aceitou, julgando ser de grande utilidade que, para o futuro, o colégio seráfico tivesse no Rio Grande uma fonte de renda. Por várias razões, porém, foi obrigado a pedir o prazo de alguns meses para dar resposta definitiva. Nesse ínterim os padres Palotinos conseguiram a direção do ginásio, a qual depois de um ano passaram aos Irmãos Maristas. Quando frei Paulo pôde dar a resposta definitiva e afirmativa, já era tarde...

    Voltando em 1931 do Capítulo Provincial, trouxe frei Paulo cinco clérigos da Holanda, que no Brasil haviam de estudar os três últimos anos do curso de teológico. Pois fôra resolvido que o seminário seráfico se mudasse para Taquari; que o convento de Divinópolis ficasse destinado para o curso de teologia, e que a Província cada ano mandasse uma turma de clérigos para o Comissariado do Brasil. O grande êxodo de Divinópolis se realizou no mês de outubro de 1931. E assim, no dia 17 de novembro, fizeram a sua entrada em Taquari os corpos docente e discente de Divinópolis, acompanhados por frei Paulo, que a 6 de dezembro benzeu solenemente o novo seminário. Em janeiro de 1932 começaram ali as aulas.

    Nos primeiros anos eram ainda mandados uns poucos candidatos de Minas para Taquari, mas previa-se que isso não poderia continuar sempre: a distância de Taquari era grande demais e os pais dos candidatos nem sempre consentiam em que seus filhos fossem mandados para tão longe. Não seria, porém, exato pensar que frei Paulo não percebesse e sentisse isso, ou que não apreciasse vocações mineiras: o contrário se prova por um fato que se deu mais tarde. Em 1939 o então Comissário frei Serafim, vendo que o edifício do colégio de Taquari estava pronto e seu bom funcionamento parecia garantido, julgou ter chegado o momento de fundar de novo um colégio seráfico em Minas, e em setembro desse ano foi resolvido começar sem demora a realização desse projeto. Quando, pouco depois, na sua viagem a Buenos Aires e Equador, frei Serafim tocou em Taquari e contou aos padres a projetada fundação de um colégio seráfico em Minas, frei Paulo, então lente no seminário,espontaneamente aplaudiu, e muito, essa idéia, acrescentando que era muito razoável e lógico, que Minas tivesse outra vez o seu colégio seráfico.

    Em 1934 frei Paulo foi assistir ao Capítulo na Holanda, mas não voltou, pois foi eleito Definidor da Província e Prefeito de estudos. Durante mais de 11 anos havia governado o Comissariado e os confrades guardavam dele a lembrança de um homem sincero, avesso a toda duplicidade; de um religioso cumpridor de seus deveres; de um superior zeloso pela observância da vida religiosa e sacerdotal, que neste ponto não vacilava nem cedia a compromissos, e que não procurava louvores humanos, mas que também, havendo questões, se deixava convencer, quando os argumentos apresentados eram razoáveis. Vendo, porém, coisas que, conforme o seu pensar, iam de encontro aos deveres da vida religiosa ou não se harmonizavam com a dignidade e seriedade da vida sacerdotal, não ocultava o seu desgosto nem deixava a pessoa em dúvida a respeito do que desejava fosse feito. E o fazia muitas vezes de um modo bastante rijo, principalmente no princípio, quando ainda estava influenciado por certas idéias preconceituadas; no correr dos anos tornou-se mais brando. Era pouco expansivo, mas os que o conheceram mais de perto, tiveram oportunidade de constatar; que debaixo desse exterior um tanto frio e intelectual se escondia um coração compreensivo e compassivo para as dificuldades de seus súditos. E mesmo quando a atitude de um ou de outro não era como devia ser, as suas decisões sempre tinham em mira o seu verdadeiro bem, sentindo ele as suas dificuldades e procurando remediá-las. Como frei Paulo não era homem sentimental, não levava muito em conta suscetibilidades; aliás, nem mesmo o podia. Exigia respeito à autoridade, assim como ele respeitava a autoridade dos outros. Daí que não adiantava mandar a frei Paulo, como aconteceu diversas vezes, um abaixo assinado, a fim de se conseguir dele que revogasse a nomeação dum vigário, a transferência dum coadjutor etc.; sorrindo depositava-o no cesto de papel velho, nem falava mais nisso. Claro que também frei Paulo teve "les défauts de ses qualités", mostrando uma tal ou qual dureza, a não dizer desprezo para com certos sentimentos humanos perfeitamente legítimos. Mas, cremos que ainda nesse respeito mudou com o tempo. Qual não foi a surpresa do auditório, quando, na sessão solene dedicada em Weert à fundação da nova Província de Santa Cruz, frei Paulo, ao proferir uma palavra de despedida à Província-mãe, não soube dominar a sua emoção nem conter as lágrimas!

    No triênio de Definidor da Holanda, frei Paulo se tornou muito benemérito da Província neerlandesa. Em 1935 foi incumbido de uma missão assaz espinhosa e delicada: solucionar as várias questões, principalmente de ordem jurídica, que surgiram logo depois que a província holandesa fôra encarregada, pela Santa Sé, da antiga missão dos Jesuítas em Paquistão (então índias Inglesas). Viam-se os missionários holandeses metidos num bosque intrincado de problemas, jurídicos e outros, em parte relacionados com o direito do Padroado português. É que a missão de Karachi fazia parte da arquidiocese de Bombaim, que era território do Padroado. Ora, a S.Congregação da Propagação da Fé queria tirar daí os Jesuítas espanhóis, substituindo-os por franciscanos holandeses, mais ou menos à revelia do governo português! Mas não foi só isso. Os Jesuítas não gostavam nada dessa mudança forçada, de modo que as negociações entre eles e os franciscanos, referentes aos bens e questões econômicas anexas, se tornaram bastante difíceis. Por cúmulo dos males, porém, o confrade que fôra nomeado superior da nova Missão, não dava conta do recado. Desanimou logo e já estava prestes a entregar os pontos, e até mesmo a própria Missão, quando a Província holandesa tomou uma resolução enérgica, encarregando frei Paulo da árdua missão de pôr tudo nos eixos. Assim, frei Paulo imediatamente se aprontou para ir desempenhar-se desse encargo difícil, e, munido só de uma pequena mala de mão, encetou a viagem a Karachi. A um confrade que o viu com a malinha na mão e perguntou se ia viajar, respondeu laconicamente: "Sim senhor, vou às Índias Inglesas e arredores Em Karachi foi recebido pelos missionários como um salvador. Soube, de fato, levar a feliz termo a sua missão, mandando o novo superior de volta para a China, donde viera, e nomeando outro em seu lugar. Contudo, essa viagem de frei Paulo a Karachi custou ao nosso Comissariado um confrade muito bom e de grande valor: o americano frei Aquiles Meersman, até então professor em São João, que à instância de frei Paulo foi chamado pelo Provincial da Holanda a tomar a si a direção do colégio de S. Patrick em Karachi.

    Decerto, pertencia frei Paulo à categoria de pessoas que, longe de desanimar ou de se acobardar em face duma tarefa penosa e difícil, se sentem animadas e até provocadas a atacar a questão diretamente, destemidas e com mão firme. Provam-no, por exemplo, as controvérsias que teve com duas sumidades da hierarquia eclesiástica. Quando frei Hilário Broekhuyse foi transferido, em outubro de 1940, de Taquari para Pelotas, Dom João Becker, arcebispo de Porto Alegre, certamente instigado pelo Dr. Adroaldo Mesquita, protestou junto a frei Paulo, ameaçando tirar-nos aquela paróquia. Mas frei Paulo não se deixou intimidar no mínimo e mandou por telegrama pronta resposta: "Paróquia está entregue Quem voltou atrás, foi Dom João Becker, enquanto que frei Paulo esfregou as mãos de contente. O outro caso foi o da nossa saída de Ouro Preto. Dom Helvécio não estava de acordo de modo algum, e revolveu céus e terras para anular tal resolução, decidido mesmo a recorrer à Santa Sé. Frei Paulo, porém, ficou inflexível nem cedeu um passo sequer: para ele, a saída dos frades de Ouro Preto era matéria vencida e passada em julgado.

    Durante a grave doença do Pe. Provincial frei Honorato Caminada, de agosto de 1935 até março de 1936, ficou frei Paulo encarregado do governo da Província como Delegado Provincial. O padre secretário ficou bem contente com a facilidade e o desembaraço com que o Pe. Delegado despachava os assuntos da secretaria. A respeito desse governo interino escreveu o Revmo. Pe. Honorato, numa carta dirigida aos confrades da Província depois de seu restabelecimento: "Antes de tudo convém dirija eu uma palavra de agradecimento ao Revmo. Pe. Paulo Stein, o homem cujo regresso à pátria por vários motivos, mas principalmente durante os meses de minha doença, se mostrou tão extraordinariamente providencial

    Frei Paulo era também mestre dos Irmãos, assim dos professos como dos terceiros, cargo esse que desempenhou com toda dedicação, sempre pronto para atendê-los e tomando parte no recreio deles. Aliás foi uma característica de frei Paulo, estar sempre pronto a cumprir com lealdade e dedicação qualquer cargo novo que lhe era confiado.

    Durante esse triênio também não se esqueceu do Brasil. Conseguiu que a Província se encarregasse de amortizar, em favor do Comissariado, integralmente, o enorme capital, com juros, que em 1929, o ginásio de S. João del Rei tinha tomado emprestado na Holanda, para poder financiar a construção de grande parte do edifício escolar, e do convento; que fizesse o mesmo quanto ao empréstimo feito na Holanda para a construção da primeira parte do colégio seráfico, e que ainda mandasse uma boa soma para a construção do grande edifício de três andares.

    No Capítulo de 1937 foi nomeado Vice-Comissário e Prefeito dos estudos do Comissariado. Satisfeito voltou para o Brasil.

    Em outubro de 1937 frei Paulo chegou outra vez ao Brasil,onde havia de passar o resto de sua vida. Foi morar na residência de Arassuaí, da qual fôra nomeado praeses, sucessor de frei José de Haas, que aos 25 de julho desse ano de 1937 tinha sido sagrado Bispo da diocese de Arassuaí. Durante a visita canônica que o então Comissário frei Serafim em 1938 fez da província franciscana da Colômbia, residiu frei Paulo no convento de Divinópolis, de maio até dezembro. Depois da volta de frei Serafim mudou-se para Taquari, indo lecionar no seminário. Isto não durou muito tempo, pois frei Serafim foi nomeado Delegado Geral da Província do Equador e mais tarde Provincial. Assim frei Paulo em novembro de 1939 mudou-se outra vez para Divinópolis na qualidade de Comissário interino; pelo Capítulo, celebrado em Weert, apressadamente, por causa das circunstâncias da guerra, na noite de 20 de agosto de 1941, foi nomeado Comissário efetivo.

    Este triênio de Comissário Provincial terminou antes de expirar o prazo legal, pois no dia 4 de outubro de 1942 frei Paulo foi nomeado Conselheiro do Delegado Geral para a América do Sul, frei Antônio Iglesias, que residia em Lima. Em dezembro encetou a viagem para o Peru, mas não chegou até lá, pois

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SATLER, Fabiano Aguilar. Fr. Paulo Stein, OFM (Wilhelmus Fredericus Gerardus Maria Stein). Rede Internacional de Estudos Franciscanos no Brasil. Disponível em: https://riefbr.net.br/pt-br/content/fr-paulo-stein-ofm-wilhelmus-fredericus-gerardus-maria-stein. Acessado em: 21/04/2025.